personagens

Os dias de Fidel em Gravataí

A jornalista Sônia Zanchetta com seu pai, Fidel Zanchetta, em registro de 1981 | Fotos ARQUIVO PESSOAL

Um Fidel que sequer tinha pretensões políticas, nunca aceitou qualquer cargo público e rejeitou concorrer a funções eletivas. O “seo” Zanchetta era filho de imigrantes e se notabilizou pelo espírito empreendedor, visão de futuro empresarial e por ser um hábil negociador.

O Seguinte: rememora quem foi o Fidel da “aldeia dos anjos”, o seu Zanchetta que, se vivo fosse, teria completado 100 anos em 2016, ou completaria 102 anos em 28 de agosto que vem.

 

Fidel Zanchetta desceu a Serra Gaúcha vindo de Veranópolis, onde nasceu. Ele ficou órfão aos oito anos, foi criado pelos irmãos mais velhos e começou a trabalhar cedo. Antes de vir para a aldeia, com o irmão, José Zanchetta, criou em Porto Alegre o Café Pan-Americano, que funciona até hoje no Mercado Público.

Em 1951, mirando negócios maiores, vendeu o Pan-Americano. Para a família, disse que havia sido premiado na loteria. E investiu todo dinheiro que dispunha, na compra de terras as quais transformou em loteamentos, tanto em áreas de Gravataí quanto de Cachoeirinha – ainda não emancipada e território gravataiense, pois.

 

Pioneiro

 

A primeira grande investida de Fidel Zanchetta foi na implantação do loteamento que, hoje, é o bairro Veranópolis (nome da cidade em que nasceu), em Cachoeirinha. Ali também criou a Vila Regina, nome que escolheu para homenagear sua mãe, Regina Riggo Zanchetta, e uma das filhas, Regina Beatriz Zanchetta.

Ele ainda teve participação decisiva no loteamento dos bairros Imbuí e Mauá, e foi o “capo” na divisão dos terrenos e instalação da vila Fátima, onde doou a área e mandou construir uma escola que, hoje, leva seu nome.

— Ele era uma pessoa muito engraçada, mas muito sério nos negócios — conta a filha, Sônia Zanchetta, jornalista, ativista cultural e hoje funcionária da Câmara do Livro, em Porto Alegre, onde é uma das responsáveis pela tradicional Feira do Livro da capital.

Sônia lembra que a ideia do pai era fazer os loteamentos e negociar os terrenos a preços populares, bem mais em conta do que os praticados em Porto Alegre. Como empreendedor, Fidel Zanchetta também atuou na venda de imóveis residenciais, prontos ou que mandava construir.

E sempre entregava as obras nos moldes combinados com os compradores, o que lhe atribuiu boa fama de homem cumpridor do que acertava em seus negócios. Afinal, naqueles anos, um “fio do bigode” valia mais que uma assinatura.

 

A professora

 

Na Vila Fátima, a família da professora aposentada e ex-vereadora Ana Fogaça foi uma das primeiras a fixar residência. Ou a primeira. Ana ensinava crianças no pátio de casa, na falta de uma escola regularmente instalada.

Como Zanchetta estava com alguma dificuldade para regularizar e liberar o loteamento, uniu o útil ao necessário. Ao passar pela casa da família Fogaça, convidou a professora Ana para que seguisse com ele no carro.

Em determinado ponto, mostrou o terreno afirmando que mandaria construir, ali, uma escola. E teria perguntado se ela aceitava dirigir o novo educandário e ensinar as crianças que viriam a morar na região, convite prontamente aceito.

Mas tinha uma condição!

Para isso, porém, era necessário que ela intercedesse junto à administração municipal para agilizar a liberação do projeto imobiliário. Resultado: a escola foi inaugurada em 19 de junho de 1969, um chalé de madeira com duas salas de aulas, cozinha, secretaria e banheiro.

O Fidel da aldeia dos anjos foi um visionário em termos de educação. Além da escola da Vila Fátima, cujas instalações hoje estão totalmente remodeladas e modernizadas, doou terreno para a escola Roberto Silveira, no bairro Mauá.

 

: Chalé de madeira que serviu como primeiras instalações da Escola Fidel Zanchetta

 

Pela Europa

 

Sônia fala da memória do pai.

— Do Zancheta só tenho boas lembranças! Ele teve seus probleminhas, como todo ser humano tem, mas foi um pai provedor que trabalhou feito um louco e que sempre nos proporcionou, por exemplo, bons colégios. Minha mãe (Maria Adália) dizia que ele era um pródigo porque era um homem benemerente e voltado à comunidade!.

Ela recorda de uma viagem que fez, com o pai, para a Europa, no ano de 1982. Sônia morava em Quito, capital do Equador, onde trabalhava na embaixada brasileira, e havia programado uma incursão aos países europeus quase ao estilo mochileira.

— Foi a grande ação da minha vida — avaliou a jornalista.

O pai, Fidel, soube que ela viajaria, nas férias, para a Europa, e perguntou se poderiam viajar juntos. Sônia refez toda sua programação e acompanhou o Fidel da aldeia pela Itália, Portugal, Fraça, Holanda, entre outros países.

— Antes de viajar ele leu tudo sobre os lugares que iríamos passar ou visitar. Num museu, em Milão, ele é quem me chamou para irmos a um outro andar onde estavam obras que queria ver. Ele já sabia tudo do museu.

 

Em Quito

 

Sônia morou no Equador por 17 anos, e recorda que seu pai a visitava, regularmente, ano após ano.

— Ele sempre levava o porta-ternos porque achava chique eu morar em um país onde os cassinos eram liberados. E ele levava os ternos que usava para ir aos cassinos jogar — diverte-se, com a recordação.

Fidel Zanchetta morreu em 1985.

 

Senhor indústria

 

— O Fidel Zanchetta foi o homem que deu a largada, que começou o desenvolvimento de Gravataí.

A afirmação é do empresário Romeu Pessato, diretor da Pessato Negócio Imobiliários, que manifesta uma profunda admiração pelo homem que comprou 100 hectares na região em que hoje é o Parque dos Anjos para transformar em terrenos.

Romeu garante que foi o amigo – e sócio de seu pai, Atílio Giácomo Pessato, nos primórdios da expansão imobiliária de Gravataí – quem trouxe a primeira grande indústria para o município, dando início ao que hoje é o poder industrial da aldeia.

— A Icotron funcionava em Porto Alegre e havia sido vendida. Os novos donos queriam expandir e lá (na capital) não tiveram permissão. Daí passaram a procurar terras na região, e foram a Guaíba e depois a Gravataí — conta Romeu.

Aqui, os investidores literalmente bateram com a cara na porta da prefeitura e não chegaram sequer a serem recebidos pelo prefeito da época, que Romeu Pessato não conta quem foi para não criar constrangimentos.

Um corretor de imóveis teria presenciado a investida frustrada, abordou o grupo e lhes pediu um cartão de visita. Foi até Porto Alegre para encontrar com Fidel Zanchetta e contou o episódio que assistiu em Gravataí.

 

100 hectares

 

Fidel procurou a Icotron, se inteirou dos planos e convidou seus dirigentes para virem à Aldeia dos Anjos, argumentando que tinha uma área na qual poderiam se instalar e mostrando um mapa no qual já havia até o traçado por onde passaria a, então, futura Free Way.

— Ele tinha comprado 100 hectares de terras onde hoje é o Parque dos Anjos. A metade ele loteou e vendeu os terrenos para construção de casas, e a outra metade ele transformou em áreas maiores para a instalação de empresas.

De acordo com Romeu Pessato, para a Icotron, Zanchetta deu uma área de 7,5 hectares. Não cobrou pelo terreno. O visionário Zanchetta queria, com a indústria, atrair moradores que adquirissem seus terrenos que estavam à venda.

Na Icotron, hoje Epcos-TDK, passaram a trabalhar quase quatro mil pessoas, a grande maioria mulheres recrutadas do meio rural e de municípios vizinhos, mão de obra que agradou muito à direção da empresa pela alta produtividade.

 

Sônia e Fidel

 

Essa passagem foi contada em agosto de 2016 pela jornalista Sônia Zancheta, a filha do “seo” Fidel, em sua página pessoal no Facebook:

 

A HISTÓRIA DO BURRO

 

"Já relatei aqui várias histórias do velho Fidel mas, já que estamos em época de eleições e para não deixar o Dia dos Pais passar em brancas nuvens, reconto, hoje, uma bronca que ele teve com a Prefeitura de Cachoeirinha há algumas décadas. 

Meu pai estava vendendo os terrenos de um loteamento novo e, uma manhã, ao passar por lá para ver como iam as coisas, deu com um burro morto no meio da rua. Alguns moradores lhe contaram que haviam acionado a Prefeitura há algumas horas, mas que ninguém havia aparecido para remover o corpo do animal. 

Ele correu, então, à secretaria correspondente, onde lhe garantiram que tomariam providências, mas, depois do almoço, voltou ao local, e nada havia sido feito. Voltou então à prefeitura e falou com o próprio prefeito, que telefonou em sua frente para a tal secretaria e determinou que fossem de imediato até lá, para resolver o problema. 

No entanto, uma hora depois ainda não havia novidades. Então, ele informou aos moradores que, se até as seis da tarde não tivessem levado o burro, ele mesmo o enterraria, com as devidas pompas. 

E, na hora marcada, lá estava ele com um monte de flores, uma cruz e um fotógrafo, que se encarregou de registrar o funeral e de enviar as fotos ao jornal da cidade”.

 

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade