Associo-me ao jornalista Reinaldo Azevedo em seu artigo Economia desmente catastrofismo; que se erre menos em política e blusinhas. Sigamos no texto.
A despeito do catastrofismo nosso — ou “deles” — de cada dia, a economia insiste em andar. “Ah, mas olhem as nuvens carregadas que vêm pela frente…” Esse negócio de ver nuvens e antecipar desastres já estava na Ilíada. E, como se sabe, naquele caso, a tragédia não veio dos céus, mas das vontades — às vezes, dos deuses; o imponderável é assim mesmo. Doutores no próprio pensamento continuam com o dedo em riste a dar aula para o governo, anunciando um apocalipse por dia. Só não variam a determinação com que erram e a arrogância com que fazem novas antevisões que não se cumprirão.
Há até aqueles que dizem agir assim para colaborar com Lula. Essa gente não sossega até que não se enforque o último aposentado com as tripas dos últimos agentes da Saúde e da Educação. É ideologia, não é conta objetiva. É uma pena que seus preferidos não anunciem tal disposição nas campanhas eleitorais. Convenham: essa honestidade, só essa, ao menos, Javier Milei teve. Advertiu que botaria fogo no circo. Está cumprindo a promessa. Até que não transforme tudo em cinzas, vão esperar para anunciar o desastre. Afinal, ele berra, e até canta, algumas palavras de ordem que as pitonisas de meia-tigela gostam de ouvir.
Lula, claro!, comemorou o crescimento de 0,8% do PIB no primeiro trimestre. Os especialistas nas próprias previsões estão mangando dele. A economia sempre será um problema, em qualquer governo e em qualquer país. O busílis não está aí. É preciso arrumar a cozinha política do governo para evitar desdobramentos patéticos — como o da taxação dos importados até US$ 50 — e parar de comprar brigas com derrota certa. Perder também pode ser instrutivo, eu sei. A questão é saber em companhia de quem se fica na alegria e na tristeza.
Se formos recuperar os eventos que levaram Rodrigo Cunha (Podemos-AL) a ser o relator, no Senado, do projeto do Mover — em que está o jabuti apelidado de “taxa das blusinhas” –, ou bem se vai chegar a uma formidável crônica de erros ou, então, será forçoso concluir que o parlamentar, de que poucos tinham ouvido falar até agora, deu um passa-moleque em todo mundo, motivado até por interesses paroquiais ligados à eleição no seu estado. Em qualquer caso, convenham, é um vexame.
Lula já havia manifestado a intenção de vetar a taxação das tais compras. Setores da indústria nacional e do varejo protestam há muito tempo contra a isenção. Essa turma, vamos ser claros, estava alinhada com Bolsonaro no governo e na campanha eleitoral e não arrancou do “Mito” o esforço pela taxação. Acho, sim, que a isenção é imprópria, ainda que me veja obrigado a lembrar, em nota à margem, que os valentes empresários não veem mal nenhum nas isenções de que dispõem para compras de até US$ 1.000 no exterior, mesmo valor que pode ser gasto sem taxa nos “free shops”, além de US$ 500 nas lojas tipo “duty free”. A “Shein” não deixa de ser um modo que os pobres têm de viajar.
De todo modo, admito que a isenção é uma escolha ruim para a economia. Lula não precisaria, no que diz respeito a seu capital político — entendida a expressão como a sua “popularidade” — ter comprado essa briga. O Congresso que se virasse, cabendo-lhe vetar ou não. Acabou tragado pelas articulações políticas e endossou um acordo que reduziu para 20% a pretendida taxação de 50%. Quando menos, aceitou dividir com o Congresso um eventual desgaste. Ora, dada a “surpresa” preparada pelo tal Rodrigo Cunha, que ainda aproveitou para se fazer de tribuno dos pobres, não há como avaliar que os envolvidos na negociação atuaram com o devido cuidado.
Vejam aí: aquilo que era um acordo, para o qual o presidente foi um tanto arrastado, acabará tendo um custo político maior do que se imaginava. Houvesse uma réstia de decência na oposição, e se teria o reconhecimento de que: 1) não há hipótese de a isenção ser positiva para a economia; 2) boa parte dos entes empresariais que fazem coro em favor da taxação constituem base da direita, quando não da extrema-direita. Mas decência não há. Tenta-se armar uma arapuca que resulte no bônus para setores do empresariado nacional e no ônus para Lula. Já se sabia que a coisa era complicada. Mas o desdobramento, até agora, é o pior possível.
Está faltando leitura do jogo. Acho, sim, que o governo foi, até agora, bem-sucedido em pautas fundamentais para a economia e para o ordenamento do futuro, apesar do vociferar dos professores de Deus. Mas se atrapalha demais em questões outras. Ainda que o projeto da saidinha, por exemplo, seja uma aberração, um veto só se justificaria na certeza de que pudesse ser mantido. Ocorre que era a derrota mais certa de todas. Escrevi acima que, ganhando ou perdendo, é preciso saber ao lado de quem se fica ao fim da batalha. É evidente que parte dos que votaram pela derrubada não era composta por fascistoides, mas foram estes a faturar com o resultado, dado que a maioria da população é contra aquele expediente.
O mesmo se diga sobre aquela aberração metida na LDO, que, em síntese, proíbe o repasse de dinheiro público para atividades ligadas a abortos não previstos em lei, cirurgias de redesignação sexual em menores ou ocupação de terras privadas. O governo já não faz isso. Por que diabos houve o veto? Para dar um pirulito para a extrema direita? É claro que o Executivo pode ser derrotado pelo Congresso. Para tanto, existe o estatuto da derrubada do veto. O que não se pode, em nenhuma hipótese, é operar na certeza de que o resultado será adverso, dando ao oponente a prerrogativa de “estar ao lado do povo”.
Volta e meia se anuncia que Lula vai entrar para valer na articulação política. Até agora, parece que não aconteceu, e isso, vê-se, mostra-se absolutamente necessário. Ao fazê-lo, em companhia daqueles que cuidam da área, é preciso tomar um imenso cuidado para que as derrotas inúteis e, às vezes, inócuas não façam sombra em vitórias essenciais.
Que o caso das “blusinhas” se transforme num exemplo do que não fazer. Chega de dar discurso de bandeja para as pitonisas dos erros de previsão.