Já apareceu – e em Cachoeirinha – o primeiro teste para o delegado Fernando Antônio Oliveira Sodré, primeiro autodeclarado negro em 181 anos de história a comandar a Polícia Civil do Rio Grande do Sul.
Policiais militares foram presos nesta sexta-feira sob suspeita de envolvimento na morte de um negro, de 37 anos, morador da Vila Anair.
A vítima foi internada dia 3 no Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre, com queimaduras graves pelo corpo, e dia 10 não resistiu aos ferimentos.
Conforme reportagem de Humberto Trezzi, em GZH, “testemunhas afirmam que os PMs teriam posto fogo no corpo do homem, no interior da residência dele”.
A prisão dos dois policiais foi decretada pela juíza Camila Martins, da 1ª Vara Criminal de Cachoeirinha, a pedido da Brigada Militar. Um Inquérito Policial Militar (IPM) também investiga outros dois PMs, que também estiveram no local do crime “em apoio aos colegas na ocorrência”. A dupla exerce hoje apenas serviços administrativos dentro do 26º BPM.
Conforme a denúncia, “por ser usuário de drogas, os policiais militares já teriam agredido o homem diversas vezes” e “testemunhas dizem que ele saiu de casa com o corpo em chamas, dizendo que PMs tinham ateado fogo nele”, aponta a reportagem, que informa que na certidão de óbito a causa da morte registrada foi “insuficiência circulatória decorrente de septicemia consecutiva e complicações clínicas de queimadura corporal extensa”.
Por quê a cobrança sobre o recém empossado Chefe de Polícia do RS?
O homicídio, que é uma questão de Justiça Comum, e não Justiça Militar, já é investigado pela 2ª Delegacia de Polícia Civil de Cachoeirinha, onde o delegado André Anicet começou a tomar os primeiros depoimentos.
E reputo tem uma responsabilidade histórica Fernando Sodré, apresentado no site do Governo do Estado como Um negro assume o comando da Polícia Civil pela primeira vez em 181 anos.
Acontece que nunca as forças policiais brasileiras mataram tanto; e negros são o principal alvo, como mostram dados do Anuário de Segurança Pública.
Conforme a publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, usando um recorte de 2021, as vítimas negras foram 78,9% das 6.416 pessoas mortas por policiais. As mortes de brancos corresponderam a 20,9%.
Para efeitos de comparação, a população negra corresponde a 56,3%, a branca 42,7%.
Desde o lançamento do Anuário, em 2013, o aumento no número de mortes decorrentes de intervenção policial foi de 190%.
Como analisa Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há racismo institucional presente nas corporações policiais, mas os índices são demonstração do racismo estrutural e da desigualdade racial no país.
– É a reprodução da máquina de moer gente que é a nossa sociedade – resumiu, ao Portal Geledés, especializado em direitos humanos e questões raciais e de gênero.
Inegável é que aos negros restam as piores posições em todos os indicadores socioeconômicos.
– Esse é o legado de uma sociedade escravocrata por mais de 300 anos – concluiu a pesquisadora.
É um desafio para o novo chefe da Polícia Civil não permitir que, mais uma vez, a carne preta seja a mais barata do mercado, como denunciava Elza Soares.
Um alento na tragédia é que, conforme o comandante do 26º BPM, coronel Márcio de Azevedo Gonçalves, os brigadianos foram identificados a partir de denúncia feita por redes sociais.
Não nos calemos.