A ‘reforma administrativa de ensino médio incompleto’ na Prefeitura de Cachoeirinha, proposta pelo prefeito Cristian Wasem (MDB) e aprovada pela Câmara de Vereadores, resta uma ‘reforma administrativa de ensino médio incompleto’, como tratei em ‘República dos Vereadores’ aprova projeto dos cargos, de até R$ 11,6 mil, sem escolaridade na Prefeitura de Cachoeirinha; Prefeito Cristian começa mal. Saiba os votos e assista sessão.
Assim segue – e estão – sendo preenchidos os cargos.
Reputo há risco de institucionalizar a ‘rachadinha’ em um governo – e em uma legislatura – que tem apenas dois anos de mandato.
Explico.
Antes vamos às informações.
A reestruturação de cargos de indicação política, os CCs, foi aprovada às vésperas do Natal, dia 23, em sessão extraordinária, com apenas dois votos contrários entre os 17 vereadores; e com atestado de ‘cabidão de cargos’, como alertei com exclusividade em Se não é, parece um ‘cabidão de empregos’ a reforma de cargos em Cachoeirinha; Como Miki, Cristian resta refém da ‘República dos Vereadores’? e Não ceda Cristian, não crie cargos em Cachoeirinha; A Kombi que pode atropelar o prefeito eleito.
São 25 novos cargos de indicação política, inclusive em diretorias, com salários de R$ 7.472,33, na Educação, Saúde, Procuradoria-Geral, Gabinete do Prefeito e Central de Licitações, para os quais só é exigido o ensino fundamental e uma matrícula no ensino médio.
A estrutura da Prefeitura aumentou de 11 para 14 secretarias. Foram desmembradas as secretarias de Planejamento e Captação de Recursos; de Mobilidade e Segurança; e de Assistência Social e Habitação. Os CCs são agora 207, mais os secretários.
No Gabinete do Prefeito, cujo organograma foi ampliado de 5 para 10 cargos, o Chefe de Gabinete e o Chefe de Gestão passam a receber salário de secretários municipais, R$ 11.608,37.
Foi criado também o Gabinete da Primeira-Dama, sem salários para a titular, mas com estrutura de pessoal e manutenção para funcionamento.
Por que ‘cabidão de cargos’?
A confirmação de que o PL 4719 servia para acomodar apoiadores de campanha restou evidenciada na própria defesa da reforma administrativa, feita por vereadores que indicarão a maioria dos CCs. Em resumo, políticos argumentaram que exigir maior escolaridade obrigaria demitir pessoas de baixa escolaridade, que, empregadas, poderiam estudar.
Ok, mas e a ‘rachadinha’?
Ao trazer informações sobre no que consiste a prática – para uns crime (peculato, concussão, corrupção passiva e até organização criminosa), para outros ‘apenas’ improbidade administrativa – acredito já explico os riscos para Cachoeirinha; e qualquer outro lugar.
A ‘rachadinha’ é o repasse, por parte de um servidor público ou prestador de serviços da administração, de parte de sua remuneração a políticos e assessores.
– Uma forma bastante comum é se aproveitar de alguém que está desesperado para conseguir um emprego e fazer com que o funcionário divida o dinheiro de sua remuneração – explica Vera Chemim, constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV, à BBC Brasil.
Na mesma reportagem O que é a ‘rachadinha’ e por que é tão difícil investigar casos como o de Queiroz, que uso como base neste artigo, Marilda Silveira, professora de direito administrativo da Escola de Direito do Brasil, alerta que a ‘rachadinha’ se apresenta em diferentes versões.
Uma é a contratação de funcionários fantasmas, que não cumprem o expediente, recebem o salário e repassam uma parte para o político ou alguém de sua família.
– O combinado pode ser, por exemplo, enviar uma fatia do dinheiro para a irmã do político – exemplifica a professora.
Outra, aí no legislativo, é usar a ‘rachadinha’ para aumentar o número de servidores de um determinado gabinete, obrigando o contratado a dividir sua remuneração com alguém que trabalha com ele.
Entenderam?
A possibilidade de ocupar um cargo de alto salário com uma baixa escolaridade permite que políticos que indicam os CCs – sem a necessária participação direta do prefeito – permitam ao político ‘morder’ o indicado.
Ou é inimaginável o político que indicou alguém para um cargo pedir uma parte do salário lembrando que, na iniciativa privada, com a mesma escolaridade, se conseguir emprego, o CC ganharia cinco vezes menos?
Não que ter escolaridade sirva como atestado de idoneidade, mas inegável é que o risco aumenta; e o leitor talvez conheça casos concretos, de diferentes escolaridades.
É por isso que não critico os gastos com reformas administrativas, um direito do governante que assume um mandato, mas sim a qualidade de gastos com cargos; até porque, com cortes em FGs, as funções gratificadas, em Cachoeirinha o aumento de despesa não passa dos R$ 10 mil ao ano, frente a um Orçamento Municipal de meio bilhão.
Onde o interesse público é penalizado, para além do troco dividido nos salários? O CC fica refém do político que o indicou, mas o político que indicou fica refém do CC que aceitou a corrupção. Vai cobrar um bom serviço, sabendo-se um vigarista?
É a ‘Lei Vampeta’: “eu finjo que te pago, você finge que trabalha”.
– É difícil de investigar a rachadinha porque você só consegue detectar esse tipo de caso ou quando tem uma denúncia por parte do assessor ou quando você tem, por meio do Coaf, a identificação de movimentações suspeitas – resumiu Eduardo Boccuzzi, sócio do Boccuzzi Advogados Associados, para a BBC.
Ao fim, insisto que ao estrear no mandato (conquistado nas urnas) agradando a ‘República de Vereadores’, Cristian Wasem arrisca se tornar um sequestrado político, um ‘Miki 2’.
Hoje confio no prefeito até um certo ponto.
O de interrogação.