Vicente Rao é um colorado histórico dos anos 40. Merecia estátua no Beira-Rio. Criou a primeira torcida organizada do Rio Grande do Sul, com buzinas, faixas, serpentinas e foguetes. À época, adversários racistas diziam ser ‘coisa de crioulo’. Aos poucos, gremistas aderiram à festa. Em um GreNal de 45, os tricolores fizeram o Carnaval com fogos e serpentinas. Quando a fumaça baixou, apareceu em meio à torcida colorada a faixa: “imitando crioulo, hein?”.
História, ou folclore contado pelos Discípulos de Rao, o ‘imitando crioulo’ me ajuda a tentar desvendar os motivos de Rosane Bordignon (PDT) já ter lançado Dilamar Soares (PSD) à Presidência da Câmara de Gravataí. Estamos em setembro e a eleição é no dia 19 de dezembro.
Por Dilamar ter votos suficientes para ser eleito, não é. Até pode vir a ter, mas ‘La garantia soy yo’ é sempre paraguaia até o último momento da eleição em que os vereadores são obrigados a votar em seus candidatos à mesa diretora. Gênio da política, Daniel Bordignon, o ‘Grande Eleitor’ do PDT, é um que sempre alertou que não se articula candidatura para valer antes da semana da eleição.
Então, por que expor Dilamar, que se filiará ao PDT na janela de março, que permite a troca de sigla sem risco de perder mandato?
Vejo lógica. Dilamar não vai para a cruz por nada.
E não tem nada a ver com a improvável aproximação eleitoral entre Bordignon e o prefeito Marco Alba (MDB) – para além de um armistício, como tratei no artigo Marco Alba, Bordignon, Stalin, Churchill e o ’mal maior’.
Interpreto no lançamento de Dilamar por Rosane um movimento diferente do especulado por Luis Felipe Teixeira em sua coluna no Giro de Gravataí: de que é um ‘todos contra Dimas Costa’ – vereador em segundo mandato que, para quem não sabe, é candidato a prefeito em 2020.
Pelo contrário.
É um cada um por si.
Explico (e logo chegaremos no ‘imitando crioulo, hein?’).
É que há uma articulação de bastidores para eleger Carlos Fonseca (PSB) presidente da Câmara. Teoricamente, calculando os votos de partidos de oposição e prováveis dissidentes do governo, teria com ele os colegas socialistas Paulo Silveira e Wagner Padilha; do PDT Rosane, Alex Peixe e Demétrio Tafras; do PSD Bombeiro Batista, Dilamar e Dimas e mais os dissidentes do DEM, Evandro Soares; e do PTB, Jô da Farmácia – o que garantiria a eleição com 11 dos 21 vereadores.
Aí é que Rosane atira a serpentina.
Como em quase tudo na Câmara, há uma manobra de Dimas para a eleição de Fonseca. Ele negocia a formação do que chamo ‘Centrão’ em torno de sua candidatura a Prefeitura.
Como já tratei nos artigos ’A Fazenda’ ou ’Centrão’, alguém fica de fora na aliança de Dimas e Transformando Dimas em Bolsonaro, envolve, além do PSB, três partidos hoje ainda na base governista, que são o DEM de Evandro Soares, o PTB de Jô da Farmácia e o PV (mas aí sem o vereador Airton Leal), além de Peixe e Demétrio, hoje no PDT de Anabel Lorenzi e dos ‘Bordignons’, mas que na janela partidária se filiarão no PSD e PSB, respectivamente.
O leitor mais familiarizado com o Netflix da política da aldeia pode estar dizendo:
– Ah, mas então é para atrapalhar o Dimas mesmo!
– O Felipinho tinha razão!
– É todos contra Dimas!.
Arrisco desvelar que não. A metafísica eleitoral aproxima Fonseca – e como é o desejo de seu padrinho político, o presidente estadual licenciado José Stédile – de Marco Alba, outro gênio da política, que pode chegar a dezembro com Fonseca disputando a Presidência da Câmara como o candidato do governo!
E aí, em quem vota a oposição? Todos sabem que não será em Dilamar. Mas então votarão em um ‘neogovernista’, Carlos Fonseca? Acontecerá que os ‘Bordignons’, Anabel e seu ‘Lazaro de Betânia’, Dilamar, poderão dizer aos que suspeitam de uma aproximação com Marco, para isolar Dimas, que são eles, e a candidatura de Dilamar, a representar a oposição de verdade na eleição?
Se assim for, caberá tocar no ‘Centrão’ uma flauta ao estilo Vicente Rao:
– Imitando crioulo, hein?