RAFAEL MARTINELLI

Porque agradeço à presidente da Câmara de Cachoeirinha Jussara Caçapava pelo seminário que lhe acusa de intolerância religiosa; o tiro na amiga

A acusação de intolerância religiosa é grave e exige responsabilidade. No caso da presidente da Câmara de Vereadores de Cachoeirinha, Jussara Caçapava (Avante), é essencial separar narrativas passionais de fatos concretos. O cancelamento de um seminário sobre combate à intolerância religiosa, seguido por uma audiência pública remarcada, gerou polêmica, mas reduzir o episódio a um ato de preconceito ignora nuances administrativas e jurídicas que merecem análise.

A justificativa técnica apresentada pela Câmara – reformas na rede elétrica, com laudo assinado e custo de R$ 300 mil – não pode ser desprezada. A impossibilidade de realizar dois eventos simultâneos (o seminário e uma sessão da frente parlamentar contra taxas abusivas da Corsan) levou ao adiamento, não à proibição. A própria remarcação da audiência, proposta pela presidência da Casa, desmonta a tese de intolerância deliberada. Se o objetivo fosse censurar, não haveria oferta de nova data.

Além disso, vídeos divulgados pela Câmara mostram que o presidente do Conselho Municipal do Povo de Terreiro, Roberto Antunes, foi recebido no legislativo, contradizendo a alegação de que teria sido barrado por vestimentas religiosas. A defesa de Jussara também menciona ameaças de invasão, justificando o acionamento da Guarda Municipal – medida de segurança, não de exclusão.

O ‘efeito Templo de Lúcifer’

A presença de Mestre Lukas, fundador da Nova Ordem de Lúcifer na Terra (N.O.L.T.), no seminário original, adiciona camadas ao debate. O grupo, envolvido em uma batalha judicial em Gravataí pela legalização de um santuário a Lúcifer, carrega estigma social.

É plausível que a associação com a N.O.L.T. tenha influenciado a percepção pública do cancelamento, ainda que as razões alegadas pela Câmara sejam técnicas.

No entanto, é perigoso confundir rejeição a uma instituição específica com intolerância religiosa genérica. A interdição do templo em Gravataí, por exemplo, baseou-se em falta de licenças ambientais, não em perseguição religiosa – como destacou a Justiça. Transferir essa controvérsia para Cachoeirinha, sem provas de motivação preconceituosa, é simplista.

Intolerância estrutural vs. erro processual

Ninguém nega a realidade da intolerância religiosa no Brasil, sobretudo contra religiões de matriz africana. São pertinentes as falas das deputadas Luciana Genro (PSOL) e Laura Sito (PT), assim como do vereador de Cachoeirinha Gustavo Almansa (PT), na audiência pública: o racismo estrutural e a histórica marginalização do povo de terreiro demandam políticas efetivas. Contudo, igualar um erro administrativo a um crime de ódio banaliza a luta contra a discriminação.

Wesley Correa, diretor do legislativo, ressaltou que Jussara Caçapava, em quatro mandatos, nunca foi acusada de intolerância. A defesa apresentou documentos, laudos e registros em vídeo para comprovar a versão da Câmara – o Seguinte: reportou a polêmica em O ‘efeito Templo de Lúcifer’: Câmara de Cachoeirinha é alvo de denúncia por intolerância religiosa após cancelar seminário inter-religioso e ‘Efeito Templo de Lúcifer’: Câmara de Cachoeirinha apresenta laudo e vídeos como defesa às acusações de intolerância religiosa.

Se há falhas na comunicação ou na gestão de agendas, isso deve ser criticado, mas não confundido com ataques à liberdade religiosa.

O perigo de legitimar o Grande Tribunal das Redes Sociais nas pautas erradas

A rapidez com que o caso migrou para o campo da disputa política é sintomática. A deputada Luciana Genro anunciou a intenção de denunciar o fato ao Ministério Público antes mesmo de esgotadas as explicações técnicas. Enquanto isso, a Câmara de Cachoeirinha, ao divulgar sua defesa, aponta para uma “politização de uma questão técnica”. E, normal, o Grande Tribunal das Redes Sociais já achou seus cristos: deus ou o diabo – alguém é.

É legítimo questionar se houve insensibilidade na gestão do cancelamento, mas transformar Jussara em bode expiatório – mesmo sem citar seu nome, ficou parecendo – sem evidências sólidas prejudica o diálogo. A busca por justiça não pode prescindir de rigor factual.

O caso de Cachoeirinha expõe um dilema contemporâneo: como diferenciar intolerância genuína de conflitos administrativos ou jurídicos? A resposta está na análise criteriosa de provas e no respeito aos processos legais.

A remarcação da audiência, os documentos técnicos e a ausência de histórico de Jussara em casos similares indicam que o erro foi operacional, não ideológico.

Combater a intolerância religiosa exige união e seriedade, não acusações precipitadas que desviam o foco de casos reais de discriminação.

Concluo.

Ao fim, vai lá quê Jussara tenha se assustado e cedido a pressões naquele dia – o que só ela sabe. Fato é que Jussara é a presidente de todos 16 vereadores. Não foi eleita ditadora. É obrigação sua ouvir os colegas.

Reputo, porém, a conjugação dos acontecimentos com seu histórico não permite condená-la, e nem mesmo colocá-la sob suspeita, por intolerância religiosa.

Acusá-la é atacar uma amiga dos direitos humanos e da diversidade.

Talvez fosse outro/a na presidência do legislativo e o palanque para críticas aos intolerantes não teria sido remarcado para a casa do povo.

Reformulo, retirando o “talvez”: minha experiência de faltar seis meses para completar 30 anos de cobertura política na região me permite apostar que, excluindo os três parlamentares da oposição, Jussara é a única vereadora desta legislatura que pode fazer isso.

Como ativista dos direitos humanos, em tempos de ‘Conto da Aia’, te agradeço, Jussara.

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