A Câmara de Vereadores de Cachoeirinha enfrenta acusações de intolerância religiosa após cancelar, sem aviso prévio, um seminário sobre combate à discriminação religiosa organizado pelo Conselho Estadual do Povo de Terreiro.
O evento, que aconteceria às 19h desta quarta-feira, foi suspenso horas após o Seguinte: divulgar de que entre os organizadores estavam fundadores da Nova Ordem de Lúcifer na Terra (N.O.L.T.), grupo responsável por um santuário dedicado a Lúcifer interditado judicialmente em Gravataí; leia em Fundadores do templo de Lúcifer em Gravataí promovem seminário em Cachoeirinha sobre intolerância religiosa.
A deputada estadual Luciana Genro (PSOL) anunciou, durante protesto em frente ao legislativo municipal, que formalizará uma denúncia ao Ministério Público contra a Câmara.
– Foi um ato flagrante de intolerância religiosa. Vamos responsabilizar criminalmente vereadores e quem comanda a Casa por este crime – disse, acompanhada por participantes do seminário, que permaneceram no local sob escolta da Guarda Municipal.
O presidente do Conselho Municipal do Povo de Terreiro, Roberto Antunes, relatou ter sido impedido de entrar na Câmara devido às suas vestes religiosas.
– Sofri intolerância duas vezes: pelo cancelamento do evento e por ser barrado na porta – disse, em vídeo que você assiste clicando aqui.
A justificativa do legislativo foi divulgada em nota na manhã desta quinta-feira, assinada pela presidente da Casa, Jussara Caçapava (Avante). Ela atribuiu o cancelamento a uma “falha administrativa”, alegando que o seminário coincidiu com uma plenária da Frente Parlamentar da Corsan, criada para discutir a crise hídrica na cidade.
A nota também citou reformas elétricas que impediriam o uso simultâneo de dois plenários e mencionou “ameaça de invasão” por parte de manifestantes, o que exigiu intervenção policial. Jussara afirmou que a Câmara está “à disposição para reagendar o evento” e reafirmou compromisso com a liberdade religiosa.
A nota completa no site do legislativo você acessa clicando aqui.
O ‘efeito Templo de Lúcifer’
O seminário cancelado integrava uma iniciativa do Instituto Mestre Lukas, Corrente 72 e N.O.L.T., que reúne 12 sacerdotes de diferentes matrizes para debater intolerância religiosa, tema que ganha urgência diante do aumento de 66,8% nas denúncias ao Disque 100 em 2024, totalizando 2.477 casos, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
– Fizemos um seminário para combater a intolerância religiosa e, uma hora antes, cancelam o evento, trazem a Guarda Municipal e nos proíbem de entrar na Câmara. Dizem que não é intolerância religiosa, mas é evidente que é – disse Mestre Lukas.
Quimbanda e fundador da N.O.L.T., ele é uma das figuras centrais da polêmica envolvendo o Templo de Lúcifer em Gravataí, interditado desde agosto de 2024 por falta de licenças ambientais e de vizinhança. A Prefeitura local nega motivação religiosa, mas o grupo contesta: “Como obter alvará se nossos pedidos são negados?”, questiona Lukas, que já ameaçou reabrir o templo sem autorização.
A estátua de Lúcifer e a batalha judicial
O santuário em Gravataí, que abriga uma estátua de Lúcifer de cinco metros, erguida ao custo R$ 35 mil e sem recursos públicos para a área ou obra na zona rural, tornou-se símbolo de um embate entre liberdade religiosa e regulação urbana. Pela repercussão internacional da notícia sobre a criação do santuário, o prefeito Luiz Zaffalon (PSDB) comparou o potencial fluxo de visitantes a “parques como o Beto Carreiro World” e destacou a necessidade de estudos de impacto. A Justiça, ao manter a interdição, afirmou que “templos religiosos não estão imunes ao poder de polícia”.
A tensão reflete um cenário nacional de polarização: em maio de 2024, Gravataí inaugurou um monumento a Exu, autorizado pela Prefeitura, mas também alvo de críticas de grupos neopentecostais no Grande Tribunal das Redes Sociais.
Ao fim, o cancelamento e a denúncia ao Ministério Público, além do potencial criminal de uma investigação por intolerância religiosa envolvendo religiões de matriz africana, só fazem reacender a polêmica sobre o Templo de Lúcifer, cercado por controvérsias judiciais, políticas e sociais.
Se a presidente foi pressionada por outros vereadores a achar uma desculpa para cancelar o evento, pelo temor de iniciativa igual a de Gravataí ser importada para Cachoeirinha, parece-me que cometeu um erro estratégico: além de revoltar religiosos de matriz africana, jogou mais luz sobre a seita luciferiana.
Como, em comunicado oficial, Jussara Caçapava se comprometeu a reagendar a data, possivelmente o próximo seminário reúna ainda mais participantes e atenção política e midiática. O que poderia ter encerrado ontem, resta agora longe de terminar.
Fato é que será Dos Grandes Lances dos Piores Momentos caso o Ministério Público identifique intolerância religiosa no cancelamento de seminário sobre… intolerância religiosa! Salvo melhor juízo, não há na Constituição diferenciação à liberdade de cultos de matriz afro, católicos, neopentecostais, luciferianos ou mesmo à igreja que cultua Maradona.
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