a coluna da jeane

Porque não dirijo

Juro que tentei. Até fiz autoescola. A prova teórica foi moleza. As avaliações médica e psicológica, tranquilas. Então chegou a hora de encarar o volante: aulas práticas. O primeiro desafio foi alcançar os pedais… Sério! Quando sentei no banco do Celta me senti uma criança tentando dirigir. Carros são feitos para pessoas com altura média de 1,70 e eu tenho 1,53, praticamente um hobbit (Se você não viu Senhor dos Anéis, jogue no Google). Mas me orgulho da minha altura, por ser a mesma da Elis Regina, viu? Só que dirigir exige mais tamanho do que cantar.

Ah, mas não é só ajustar o banco? Eu puxava tanto o assento para a frente que ficava praticamente embaixo do painel. Não era confortável. E ainda assim, precisava um certo alongamento pra botar a pressão necessária nos pedais. Isso ainda concentrando para acertar o pedal, porque trocar freio por acelerador é algo que ninguém deseja. Não me deixava mais tranquila saber que o carro era adaptado para a instrutora poder pará-lo em caso de erro da aluna aqui. A ansiedade sempre faz a gente imaginar o pior cenário. Mas quando estou disposta a fazer algo, enfrento os desafios.

Quando eu conseguia posicionar legal os pés, estava tão embaixo do painel que não enxergava quase nada da rua. Sufoco. Ainda assim eu tentei. Nas primeiras vezes parece impossível coordenar volante, marchas, pedais e ainda cuidar os retrovisores. E lembrar de dar seta a cada conversão! Mas depois de algumas aulas eu até consegui conversar enquanto dirigia. Mas daí esquecia os retrovisores… ops.

Na matrícula ninguém me avisou que era possível escolher entre direção comum ou hidráulica. Então comecei as aulas num carro comum. Na primeira baliza, quando tive que virar todo o volante, meu ombro direito com tendão estropiado doeu tanto que por uns instantes nem enxerguei o que estava fazendo. Achei que meu sonho de dirigir acabaria ali. Tentei mais uma vez, pensei que fosse desmaiar. Só então eu soube que podia pedir um carro com direção hidráulica, e foi o que fiz. Mas também era um Celta, não me perguntem por quê. Não lembro mais o que tinha visto no famosinho da nossa cidade. Mas a direção hidráulica era uma beleza, dava para girar o volante com um dedo.

Dizem que mulher não sabe estacionar direito, mas eu me dava melhor nessa parte do que na pista. Peguei o jeito da baliza, até era tranquilo apesar dos pesares. Mas quando partia para as ruas… Tremia de medo de passar para a terceira marcha, acelerava um pouquinho e já reduzia. Não acreditava muito que conseguiria controlar o carro numa velocidade mais alta. Ainda bem que a instrutora tinha bastante paciência…

Mas assustei a moça no dia em que disse que se tivesse que escolher entre uma pessoa ou cachorro, jogaria o carro na direção da pessoa. Bichinhos em primeiro lugar, claro! E quase deixava apagar o carro quando precisava desviar de um daqueles cãezinhos que resolvem dormir no meio da rua. Sou dessas que quando vê um doguinho ou um gato quase esquece da vida.

Vencidas as aulas (inclusive experimentei o horror de dirigir no final da tarde, com o sol batendo na cara e ofuscando a visão – lembrando que o quebra-sol não serve de nada para mim, porque ele termina antes da minha cabeça, claro), chegou o dia da temida prova. Fui uma das últimas a serem chamadas, já com fome, sede e cansaço de tanto esperar. Mas eu sabia o que precisava fazer.

Como tinha visto alguém ser reprovado por esquecer de colocar o cinto, fiquei atenta a isso. E comecei a baliza. Virei a direção, engatei a ré direitinho… e esbarrei no cone. A prova acabou ali. Mas faço questão de ressaltar que não derrubei o bendito cone! Só encostei. Em minha defesa: pela questão da minha pouca altura já fica difícil enxergar alguma coisa atrás do carro, e para “ajudar” me colocaram para fazer a prova numa rua inclinada, que deixava a traseira ainda mais alta. Sacanagem, né? Mas não adiantou reclamar, só me restou voltar para casa carregando minha decepção.

Ah, mas muita gente não passa de primeira, tenta de novo! Se eu ganhasse um real cada vez que ouvi isso… pelo menos ajudaria a pagar a nova prova. Mesmo com o ânimo abalado, marquei mais algumas aulas para ganhar mais confiança antes de nova tentativa. Mas cada vez que eu sentava na direção sentia menos vontade de estar ali. Tem gente que adora dirigir… já eu, na época, encarava como um mal necessário. Achava que precisava, até porque algumas vagas para jornalista pediam habilitação (um abuso, mas em início de carreira é complicado questionar).

Na última aula que fiz, saí do carro com o joelho travado e dolorido, de tanto tensionar. E a tensão não era só por esticar a perna, mas pela pressão de não errar e acabar num poste ou pior, acertando alguém. Pressão de me forçar a uma concentração e a uma coordenação que eu não tenho. Ainda esquecia dos retrovisores, ou melhor, quase nunca lembrava. A dor e a dificuldade de movimentar o joelho foram a gota d’água que me fez pensar: “não preciso disso”. Afinal, não me incomodo com transporte coletivo e adoro fazer as coisas a pé. Entendi que dirigir não é para mim, e nunca mais tentei.

A única coisa que lamento foi o dinheiro que investi na autoescola. Podia ter aplicado em outras coisas, mas enfim, foi uma experiência, um aprendizado. E pelo menos eu tentei, né? Já faz mais de 10 anos, mas continuo com zero vontade de tentar dirigir. Realmente gosto de me deslocar olhando a paisagem, pensando na vida, e quando possível, até escrevendo umas poesias. Depois que inventaram o Uber, então, dirigir me parece ainda mais desnecessário.

Não acho que algum dia eu vá mudar de ideia. Às vezes confundo direita com esquerda, mais prudente ficar sendo só passageira. Cheguei a dar seta para o lado errado numa aula. Além disso, sou uma típica sagitariana desajeitada, não sei nem andar sem tropeçar. Imagina o perigo dessa pessoa pilotando um carro! Para o bem de todos, inclusive do meu mesmo, eu não dirijo.

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