RAFAEL MARTINELLI

Prejuízo de Gravataí com desastres naturais deve superar 20 milhões; É mais sobre Greta, e o Deus Dinheiro, que sobre Jesus

Foto TIAGO CECHINEL

O prejuízo de Gravataí com os desastres naturais nos últimos seis meses de Super El Niño deve superar os R$ 20 milhões, somente em recursos públicos.

É a realidade que se impõe, nada divina: trata-se mais de Greta Thunberg, menos dos sinais de Jesus.

Estudo da Metroplan antecipava em 2018 que, caso não fossem feitos investimentos de pelo menos R$ 2,5 bi, principalmente em Porto Alegre, Gravataí, Cachoeirinha e Alvorada, os prejuízos com o clima chegariam a R$ 5 bilhões em 30 anos na região metropolitana.

Vamos às informações e, mais abaixo, volto ao futuro.

Para efeitos de comparação, os R$ 20 milhões que Gravataí precisa gastar em apenas meio ano equivale ao necessário para construir quatro pontes do Parque dos Anjos.

Ainda não há um levantamento oficial sobre os custos com a tempestade ‘supercélula’ da terça-feira, que registrou ventos de 89 km/h no município, que foi o oitavo com maior quantidade de chuva: 67,8 mm – ou 60% da média mensal.

Porém, com os ciclones de junho e setembro de 2023, granizo e chuvas correspondentes a cinco vezes a média histórica do período, o gasto com reconstrução chegou a R$ 15 milhões.

Assim, o balanço prévio do rastro de destruição, em todos os bairros de Gravataí, permite calcular pelo menos outros R$ 5 milhões para novas obras e serviços.

– Esses eventos climáticos apresentam problemas por seis meses, um ano. E a ventania causa ainda mais estragos – alertou ao Seguinte: o prefeito Luiz Zaffalon (PSDB), entre as vistorias que tem feito às equipes da Prefeitura que, desde a noite da terça, mobilizam mais de 300 funcionários para atender a população com desobstrução de vias, corte de árvores e atendimento assistencial, como entrega de lonas e telhas.

– A ponte da Estrada Santa Cruz, por exemplo, vou assinar a ordem de início neste sábado. Caiu em junho – compara Zaffa.

A ponte sobre o arroio Demétrio, no distrito de Morungava, foi reconstruída três vezes para evitar o isolamento dos moradores da região.

A obra, com vão maior do que a anterior, largura de 11 metros e passeio para pedestres, foi licitada a um custo de R$ 1 milhão.

– Todas as regiões da cidade foram fortemente atingidas, o município está sem luz, as conexões de internet estão fragilizadas, sabemos da urgência dos atendimentos. É um trabalho maluco. Mas vamos reconstruir tudo – garantiu o prefeito, que também contatou a presidência da Corsan para viabilizar abastecimento do Hospital Dom João Becker e das UPAs com caminhões-pipa e intermediou ligação entre a companhia e a gerência regional da RGE.

– Trabalhei a vida toda com manutenção no setor. Fenômenos climáticos deste porte são difíceis de resolver no tempo que o cidadão imagina e que seria o ideal. Ninguém tem estrutura para resolver em apenas dois ou três dias problemas como os causados pelo temporal – disse, com a experiência de ter exercido cargos de chefia na CRT, Telecom e na presidência estadual da Corsan.

– No mundo sempre falta táxi em dia de chuva. A frota é dimensionada para dias normais – comparou, frente ao balanço que aponta, até o meio dia desta quinta-feira, quase 200 mil pessoas sem energia elétrica na região metropolitana, o que provoca a falta de água.

Para se ter uma ideia da dimensão do desastre que coloca Gravataí, conforme Zaffa, “em situação de emergência”, 45 das 76 escolas registraram danos e necessidade de reconstrução. Cerca de 600 árvores caíram e ao menos uma centena de postes foram danificados. O número de desabrigados reduziu para 15, mas 20 pessoas seguem desalojadas entre as mais de 800 residências atingidas.

Voltemos, então, ao futuro.

Como a crise climática é uma realidade, mitigá-la é preciso. Mas, como já reportei e analisei em uma série de artigos sobre a crise climática, o bilhão necessário em diques, minibarragens e adutoras para enfrentar cheias e estiagens na bacia do Rio Gravataí será dinheiro público (municipal, estadual e federal) e privado jogado pelo ralo se legislações municipais não garantirem a contenção de empreendimentos imobiliários em áreas de risco.

O estudo inicial do Novo Plano Diretor de Gravataí está respeitando a ‘mancha de inundação’ estabelecida pela Metroplan, mas, antes da finalização de um projeto de lei para ser enviado para apreciação da Câmara de Vereadores, já há pressões pelo ‘libera geral’ de construções e ocupação de solo.

A ‘mancha de inundação’, descrita no “Estudo de alternativas e projetos para minimização do efeito de cheias e estiagens na Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí”, foi projetada por especialistas observando um tempo de recorrência de 100 anos – o que, os desastres naturais evidenciam, deve caducar antes, devido à crise climática mundial, que em 2023 teve o Rio Grande do Sul como case no discurso do presidente Lula na ONU.

Iniciado em 2015 como parte do Plano Metropolitano de Proteção Contra as Cheias e integrante do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais, o estudo, publicado ainda em 2018, na revista técnica da Metroplan, já antecipava prejuízos de até R$ 5 bilhões em 30 anos caso não fossem feitos investimento de pelo menos R$ 2,5 bi, principalmente em Porto Alegre, Gravataí, Cachoeirinha e Alvorada.

“Tal valor representa, na verdade, o prejuízo que a sociedade arcará se a situação das cheias não for devidamente enfrentada”, alertava, no documento, Pedro Bisch Neto, superintendente da Metroplan, ao apresentar o estudo como “uma visão regional inédita do fenômeno das cheias na Região Metropolitana de Porto Alegre”.

Clique aqui para ler a íntegra do documento, que detalha investimentos necessários, projeta necessidade de desapropriações de edificações existentes e remoções de milhares de famílias, além da restrição a novas construções e ocupações de solo a partir da ‘mancha de inundação’.

Para se ter uma ideia da histórica falta de prioridade pelos governos, a bacia do Gravataí, fruto da mobilização político-ambiental na busca por identificar áreas alagadas, tem o processo mais avançado do RS, mesmo que estudos se arrastem desde o PAC da Prevenção lançado em 2012!

Após uma década, está em andamento a confecção de estudos e projetos para, por exemplo, diques de contenção de cheias em Gravataí (Parque dos Anjos), Cachoeirinha (da ponte divisa com Porto Alegre até atrás do Cadop) e na zona norte de Porto Alegre, além de, para enfrentar estiagem, os 13 minibarramentos no Rio Gravataí.

Resumidamente, as obras são necessárias para diminuir a velocidade da água no inverno de chuvas e segurar a água no verão de seca para o banhado não esvaziar rápido.

Para efeitos de comparação, o Vale do Taquari, em 2023 imerso em uma tragédia, não tem plano algum.

Mas, por que é tão importante a ‘mancha de inundação’ e restrições de ocupação do solo?

Em um exercício simples de lógica, respeitá-la significa evitar problemas futuros, enquanto se busca resolver problemas do passado e do presente.

Inegável é que a não aceitação da recomendação da Metroplan pelos municípios, antes e depois do estudo, permitiu silenciosos aterramentos e barulhentas construções em áreas onde se sabe que a água pode chegar.

Para não restar apenas na crítica, é preciso saudar, por exemplo, iniciativas como o loteamento Breno Garcia, parceria entre governos federal, estadual e municipal, que recebeu milhares de moradores retirados de áreas de risco.

E, mesmo que não baste apenas Gravataí respeitar a sustentabilidade (as águas não tem fronteiras), é preciso elogiar a assinatura pelo prefeito de estudo para o Plano Municipal de Drenagem – que vai detalhar o que precisa ser feito dentro da ‘mancha de inundação’, que inclui o Parque dos Anjos e a Vila Rica, por exemplo.

Concluo, da mesma forma que sempre, sobre este tema: caso Zaffa e os vereadores segurem o dique das pressões do mercado imobiliário e aprovem um Plano Diretor sustentável, mostrarão na prática que as forças políticas de Gravataí têm a medida do problema social causado pelas cheias e secas.

Ah, mas não tem Plano Diretor para a ventania, alguém pode dizer, usando como argumento o principal vilão do temporal de terça. Verdade. É por isso que usei o verbo mitigar: “(tornar-se) mais brando, mais suave, menos intenso (ger. dor, sofrimento etc.); aliviar, suavizar, aplacar”.

Próximo ou além dos tipping points, os “pontos de não retorno”, já vivemos uma crise climática que não terá seu fim no Super El Niño 2023-2024. Mas essa responsabilidade, dos donos do mundo, resta acima do prefeito e dos 21 vereadores. Além da zeladoria da cidade e da cobrança sobre as concessionárias privatizadas (o que, antes e depois do desastre, reputo impecável neste episódio), é o Plano Diretor o que está ao alcance de nossos políticos. E, como em todo Plano Diretor, alguém perde. Que não seja o interesse coletivo a ser deixado de fora do barco.

Ao fim, é mais sobre o que disse Greta, do que sobre os sinais de Jesus e o fim dos tempos, como li em post de seguidora. Com o ‘Deus Dinheiro’ sempre soprando forte, claro.

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