Por configurar nepotismo, o presidente da Câmara de Cachoeirinha Paulinho da Farmácia (PDT) demitiu a noiva de Jordan Protetor (PDT), empregada no gabinete do vereador.
A medida se deu na sexta-feira, após o presidente ler entrevista de Jordan ao Seguinte:, na qual, questionado sobre o nepotismo, o vereador explicou que, a partir do noivado recente, a assessora “pediria” demissão do gabinete da vereadora Jussara Caçapava (Avante); leia em Vereador diz que noiva há 10 dias vai pedir demissão da Câmara de Cachoeirinha para evitar nepotismo.
Só que, conforme documentos da presidência, o próprio Jordan, no Memorando 944, de 5 de outubro de 2023, pediu a nomeação da assessora em seu gabinete.
A nomeação, com salário mensal de R$ 3.497,09, foi oficializada pela Portaria Nº 302, de 10 de outubro de 2023.
O noivado aconteceu dia 6 de novembro.
No dia 14, o vereador enviou o Memorando 1091 pedindo para que a noiva fosse nomeada no gabinete de Jussara e assessora da vereadora fosse nomeada em seu gabinete.
Quando falou ao Seguinte:, dia 16, Jordan já tratou a troca como consumada, mesmo sem autorização do presidente.
Se não é uma mentira, é uma meia verdade – e meias verdades sempre tem um lado mais próximo da mentira.
Dos Grandes Lances dos Piores Momentos é que, na própria entrevista, o vereador reconhece que o emprego da noiva no gabinete de colega também pode configurar nepotismo – cruzado, no caso.
– Combinamos dela pedir exoneração. Sei que é nepotismo, seja em meu gabinete, seja no de colega – disse, na quinta, ao Seguinte:.
Nepotismo, para além de imoral, é ilegal. Mesmo não seja caso para esfera criminal, é considerado improbidade administrativa, segundo dispõe a Lei 14.230/2021. Pode render perda de mandato e inelegibilidade em caso de condenação.
A prática corresponde à nomeação de familiares diretos da autoridade nomeante, tais como filho(a), cônjuge, irmão(ã), mãe, pai, neto(a), sobrinho(a), mas decisões judiciais já abarcam como familiares pessoas que possuam relação de afinidade com a autoridade nomeante, ainda que não sejam considerados parentes consanguíneos, como é o caso do cunhado, madrasta, enteado ou companheiro(a) do agente público.
O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula vinculante nº 13, que regra os casos de nepotismo, decidindo que: “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.
A súmula afirma que viola a Constituição Federal a nomeação de companheiro (grau de afinidade) da autoridade nomeante, o que permite enquadrar a namorada(o) do agente público no conceito de companheira(o), para fins de configuração do nepotismo.
Na administração pública federal, que serve de analogia para a municipal, o Decreto nº 7.203/10, que dispôs sobre a vedação ao nepotismo, ainda que não tenha previsto expressamente que a namorada do agente público configura caso de nepotismo, estabeleceu que as hipóteses de nomeações ou contratações com indícios de influência do agente público serão objeto de apuração específica (art. 6º).
O próprio Supremo Tribunal Federal já apontou como nepotismo nomeação de companheira de filho de prefeito (ainda como namorada), pela afinidade da nomeada em relação à autoridade nomeante. Resta incontestável, então, ser ilegal a nomeação da companheira do próprio agente público.
Contatei Jordan novamente nesta segunda-feira, mas até o fechamento deste artigo o vereador não respondeu.
Insisto: se não contou uma mentira, usou de uma meia verdade – e meias verdades sempre tem um lado mais próximo da mentira.
Salvo melhor juízo, assim como escondeu fatos na entrevista, parece ter tentado ‘esconder’ a noiva em outro gabinete, para fugir do nepotismo direto.
Ao fim, acertou o presidente em demitir a noiva-assessora do vereador, para não correr risco de ser cúmplice da irregularidade.