RAFAEL MARTINELLI

Presidente da Câmara quer proibir líderes partidários de falar sobre prefeito em Cachoeirinha; O Rei Sol e a censura

A Câmara de Cachoeirinha tem seu Rei Sol. Só que diferente de “O Estado sou eu”, do vaidoso governante do absolutismo francês, o presidente do legislativo Edison Cordeiro (Republicanos) anunciou uma medida ao estilo “O Regimento sou eu”.

O pastor não quer que vereadores falem sobre o prefeito durante as sessões, ao usar o espaço de líderes.

Além da diatribe se inscrever nos anais Dos Grandes Lances dos Piores Momentos da história da Câmara, reputo antirregimental e, principalmente, inconstitucional.

– Não vão denegrir o prefeito – decidiu Cordeiro, que assim resta não só o presidente eleito sob pressão para aumentar o número, os salários e as diárias dos vereadores, mas aquele que vai instaurar censura no parlamento.

Para na sessão de ontem ameaçar cassar a palavra do vereador de oposição David Almansa (PT), e de quem o desobedecer, agarrou-se o presidente a dois artigos do Regimento Interno da Câmara.

O artigo 30, que garante ao presidente “b) conceder ou negar a palavra aos Vereadores, nos termos deste Regimento Interno”, e o artigo 185, que estabelece que “os casos não previstos neste Regimento Interno serão resolvidos pela Mesa Diretora, cabendo recurso ao Plenário”.

Fato é que em 187 artigos do RI nada consta sobre a presidência ter autoridade para decidir sobre o que pode ou não falar um vereador. Pelo contrário. Está lá, no artigo 10:

“(…) Os direitos dos Vereadores estão compreendidos no pleno exercício de seu mandato, observados os preceitos legais e as normas estabelecidas na Lei Orgânica do Município e neste Regimento Interno (…)”.

Fiz o grifo porquê, acima de regimentos internos de câmaras de vereadores, está a Constituição Federal, que no artigo 53 garante que os parlamentares “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

A inviolabilidade protege contra censuras à liberdade de expressão como a que parece tentar impor o bolsonarista Edison Cordeiro, que, ao também alertar para suposta “quebra de decoro”, ameaça parlamentares com procedimentos éticos que podem levar até a cassação de mandato.

O RI também estabelece uma proteção contra decisões absurdas como a de Cordeiro, ao submeter a palavra final ao plenário. Diz o artigo 149:

“(…) Este Regimento Interno somente poderá ser reformado ou alterado mediante proposta:

I – da Mesa Diretora;

II – de 1/3 (um terço) dos Vereadores; ou

III – de Comissão Especial.

§ 1º. A proposição de reforma ou alteração regimental, após ter sido publicada, permanecerá por 20 (vinte) dias na Comissão competente para recebimento de emendas.

§ 2º. No prazo improrrogável de 30 (trinta) dias, a Comissão de Constituição, Justiça e Infraestrutura Urbana deverá emitir parecer sobre a proposição e as emendas (…)”.

A imposição de Édison não respeitou os trâmites, como comprova o Portal Transparência da Câmara.

Permita-me lembra-lo, senhor Cordeiro, que o senhor preside o Poder Legislativo de uma cidade metropolitana. O parlamento, onde se ‘parla’. É a casa do povo, que pelos critérios de proporcionalidade dos votos representa os quase 100 mil eleitores de Cachoeirinha, onde restam pessoas simpáticas ou não ao prefeito. Cumpra seu papel de, eleito por unanimidade, ser mais magistrado do que líder do governo e seus interesses.

Se o prefeito se sentir ofendido, pode acionar seus detratores judicialmente. A inviolabilidade concedida aos parlamentares não significa garantia para cometer crimes.

Ao fim, conta a História que até o Rei Sol, no leito de morte, se deu conta da transitoriedade do poder e cometeu outra de suas frases: “Eu saio, mas o Estado fica”.

No caso do Brasil, de Cachoeirinha, fica mais fácil, presidente. É só fazer da Constituição seu Sol.

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