RAFAEL MARTINELLI

Projeto de vereador que obriga uso de câmeras corporais por guardas municipais de Gravataí permite um bom – e inevitável – debate, mesmo seja inconstitucional

Inconstitucional ou não, o projeto do vereador Alison Silva (MDB) que obriga o uso de câmeras corporais por guardas municipais e agentes de fiscalização de Gravataí permite um inevitável debate.

É bem diferente do inútil – e gritantemente inconstitucional – projeto ‘Anti-Oruam’; apresentado neste ano por outro vereador e que reportei em Um alerta sobre projeto de vereador que proíbe nas escolas de Gravataí músicas e coreografias com suposta apologia ao crime e sexo; As leis Anti-Oruam.

Antes da análise vamos às informações e às posições do parlamentar autor, da Prefeitura e o que apurei junto a vereadores – mesmo que sob condição de anonimato.

“É um projeto que divide opiniões, mas o intuito é que traga segurança e transparência nas ocorrências não só para o cidadão, mas também para os agentes públicos”, justifica Alison, que argumenta que “estados e municípios tem aderido ao uso percebendo significativa melhora nas abordagens”.

O PL 23/2025 prevê que o armazenamento dos vídeos seguirá a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGBD), liberando uso das imagens apenas como prova para fins administrativos e/ou criminais.

O uso de câmeras não é prioridade para o governo Luiz Zaffalon (PSDB), como informa o secretário de Segurança de Gravataí, tenente-coronel Emílio Barbosa.

Reproduzo na íntegra nota enviada ao Seguinte:.

“(…) A Secretaria Municipal para Assuntos de Segurança Pública da Prefeitura de Gravataí, por meio da Guarda Municipal, realiza um trabalho exemplar, sendo referência para outros municípios, inclusive. Em janeiro, noticiamos que Gravataí é um dos três municípios da Grande Porto Alegre que estão abaixo do índice da ONU de homicídios, resultado do investimento contínuo em segurança e monitoramento.

Sobre o uso de câmeras corporais, reconhecemos a existência desse equipamento e a visibilidade midiática e publicitária que ele tem alcançado em grandes metrópoles do país. No entanto, essa não é, no momento, uma prioridade para o município. Nosso foco está no aprimoramento do sistema de videomonitoramento urbano, que já se mostra uma ferramenta eficaz na prevenção e resposta rápida a ocorrências, auxiliando na segurança da população e na otimização do trabalho das forças de segurança.

Além disso, investimos no fortalecimento do monitoramento de eventos climáticos, garantindo uma atuação mais ágil diante de situações de risco (…)”.

Sigo eu.

Pelo que apurei com vereadores, sob condição de anonimato, a conversa de corredor antecipa que o projeto deve ser arquivado nas comissões permanentes da Câmara por gerar custos à Prefeitura, o que ultrapassaria a prerrogativa constitucional de vereadores – e assim tem sido a maioria das decisões de tribunais que, instados, declaram inconstitucionalidade de leis de origem legislativa.

Cada câmera tem preço em torno de R$ 1 mil. São mais de 300 guardas, efetivo maior que a Brigada Militar. Possivelmente não seriam necessárias câmeras para todos servidores, mas, para chegar a uma conta, teríamos até R$ 300 mil em investimento; sem contar o equipamento e sistema necessários para armazenamento.

Como está é inegável que o projeto cria custos à Prefeitura. Mas, salvo melhor juízo, talvez uma correção indicando que o Ministério da Justiça oferece recursos para programas de câmeras, talvez permita maior robustez frente a um questionamento judicial da constitucionalidade.

“(…) Compete ao Ministério da Justiça e Segurança Pública: I – financiar, de acordo com as disponibilidades orçamentárias, projetos de câmeras corporais que atendam às presentes diretrizes (…)”, diz o artigo 6º, da portaria 648, editada no ano passado pelo ministério, que “estabelece diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pelos órgãos de segurança pública”.

Clique aqui para acessar a portaria na íntegra, que não obriga, apenas permite que municípios busquem adesão ao programa.

Constitucionalidades ou ‘loterias de toga’ à parte – e com a maior probabilidade do projeto não ser aprovado, caso liberado para votação, já que o governo não o tem como prioridade e sua base parlamentar soma 15 entre 21 vereadores – reputo a antecipação de um inevitável (e bom) debate.

Identifico teve o vereador uma motivação para o projeto. Alison apresentou a proposta logo após acompanhar caso de gravataiense que alega abuso de autoridade em ação de guardas municipais – e resta em investigação dentro da corporação e pela Polícia Civil; leia em Investigada abordagem da Guarda de Gravataí que provocou risco de tetraplegia em jardineiro.

O episódio foi tratado no rol dos “casos isolados” pelo secretário de Segurança. O que, ao menos lembrando os episódios de repercussão pública, parece ser.

Além do caso do jardineiro, não vi nada em outras mídias e como jornalista não recebi denúncias sobre malfeitos da Guarda.

Além da ocorrência que referi acima, soube apenas de reclamação em abordagem a mecânico no Rincão da Madalena, revelada na tribuna da Câmara de Vereadores na primeira sessão deste ano por Roger Correa (PP) – parlamentar da base do governo, diferentemente de Alison, que é oposição.

De outras polêmicas, lembro apenas uma rusga entre Guarda e Brigada Militar, que entendo natural em um momento em que as forças de segurança ainda se acostumam ao poder de polícia garantido aos guardas municipais pelo STF; leia em Gravataí vive crise na segurança pública entre Brigada e Guarda Municipal; Quando polícia ameaça prender polícia.

Mas é justamente nos dois “casos isolados”, do jardineiro e do mecânico, que centro o principal argumento para justificar minha simpatia pelo uso de câmeras.

E não é para fazer vilões os servidores da segurança pública.

Fato é que ambos os acontecimentos restariam resolvidos dando um play. Bastaria analisar o comportamento dos guardas e dos cidadãos abordados.

Associo-me ao que disse Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança, em entrevista à Agência Pública, ao ser perguntado sobre os motivos de governadores resistirem à implementação das câmeras corporais nos efetivo de segurança pública. 

“É um grande problema de desconhecimento. Em primeiro lugar, da portaria [do Ministério da Justiça e Segurança Pública] do uso das câmeras corporais. Em segundo lugar, há um grande desconhecimento dos resultados que as câmeras corporais produzem em termos de segurança pública. As estatísticas, os estudos e o que está informando e justificando a política do Ministério da Justiça pelas câmeras corporais é justamente o fortalecimento da ação policial, da carreira do policial militar, principalmente, porque o policial trabalha com mais segurança, ele trabalha de forma mais transparente. Então, até o cidadão que está sendo abordado tem um comportamento diferente quando ele sabe que está sendo abordado por alguém que usa câmera corporal. [Também] há que se destacar que isso tem qualificado de forma muito significativa a prova do processo penal, porque essas imagens, de abordagem, apreensões policiais, ações policiais, elas vão para o processo criminal e, em .elas sendo retratadas no processo criminal, o resultado é a realidade no processo, trazendo mais justiça”, disse, e você acessa a entrevista completa clicando aqui.

Seja para hoje ou amanhã, é um bom debate, não? Melhor ainda porque os ‘dois lados’ tem certezas que lhes guardam.

Alison, porque antecipa uma discussão inevitável. Um dia teremos câmeras. Ou alguém contesta que o uso dessa tecnologia na segurança pública é só uma questão de quando?

Surpreende mais, e faz-me concluir que o vereador não busca caçar cliques, a condição ideologica de Alison. Ele não é de esquerda. É ligado ao ex-prefeito Marco Alba (MDB). O descreveria como “extremo centrista”.

Como a pauta das câmeras tem sido mais ligada à esquerda, possivelmente Alison até desagrade seu eleitorado mais conservador, principalmente aquele que no Grande Tribunal das Redes Sociais defende que “bandido bom é bandido morto”.

Já o secretário Emílio também considero ter sua razão ao não apontar o uso de câmeras como uma prioridade. Gravataí não é uma São Paulo (O Rio de Janeiro não conta: é desde muito um estado paralelo).

Ao fim, para concluir: fosse eu profissional da segurança pública gostaria de usar uma câmera.

Minha capacidade psicológica, estudo e técnica, no caso dos guardas de Gravataí adquirida em uma corporação que é referência no Rio Grande do Sul e formadora de outros municípios, seriam comprovados.

Restaria eu diferenciado de eventuais bandidos de farda, ou mesmo daqueles que por falta de condições mentais não poderiam vestir um uniforme e portar uma arma para defender a sociedade.

Ah, e também comprovaria o tanto de situações de risco que os agentes de segurança pública enfrentam todos os dias nas ruas, após se despedirem de suas famílias sem saber se o fazem pela última vez.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade