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Quem são nossos 50 mil bolsonaristas mais fanáticos

O Datafolha criou uma fórmula para classificar o grau de afinidade e rejeição dos brasileiros e brasileiras ao presidente Jair Bolsonaro, que em Gravataí e Cachoeirinha fez sete a cada dez votos, mas vê descolorir sua popularidade, como já mostrei no Seguinte: ao aplicar as pesquisas à realidade local nos artigos Bolsonaro não fez nada para 120 mil no ’país’ Gravataí, Cachoeirinha e Glorinha e 25 mil bolsonaristas descontentes no ’país’ Gravataí, Cachoeirinha e Glorinha; O Retrato de Dorian Gray.

Mauro Paulino e Alessandro Janoni construíram uma escala de seis pontos baseada no voto declarado no ‘mito’ no segundo turno, na avaliação de seu governo e na confiança em suas palavras.

A base é pesquisa nacional do instituto com 2.878 entrevistados em 29 e 30 de agosto.

É identificado como grupo dos mais afinados com Bolsonaro aqueles que votaram nele, aprovam seu mandato e concordam com suas declarações. São seus adeptos fiéis, entusiastas fanáticos, para não dizer adoradores em qualquer circunstância. Representam 12% da população com 16 anos ou mais.

– É o chamado grupo heavy do presidente, aquele núcleo duro de apoiadores irrestritos constituído por bolsonaristas radicais – analisa os resultados Reginaldo Prandi, um dos fundadores do Datafolha.

Trabalhando com a população estimada para 2019 pelo IBGE, os 12% dos 281.519 habitantes em Gravataí corresponderiam a 33.783 bolsonaristas 'fanáticos'. Em Cachoeirinha, dos 130.293 habitantes, 15.636.

Nas duas cidades juntas, 49.419.

Outros 30% estão no extremo oposto: não votaram em Bolsonaro, reprovam seu governo e discordam do que ele diz.

Sobram 58% que se distribuem pelas categorias intermediárias, ora apoiando, ora rejeitando, a depender de cada situação, palavras e medidas do presidente.

O grupo dos 12% heavy não se destaca por seu tamanho, mas se sobressai por garantir uma base social concreta que legitima um presidente torto nas palavras e ações.

O grupo dos 12% é mais masculino que feminino. Estão aí 15% dos entrevistados do gênero masculino e 10% dos do feminino. À medida que a idade sobe, cresce a fileira de seguidores. São 5% na faixa de 16 a 24 anos, 9% na de 25 a 34 anos, 12% na de 35 a 44 anos, 16% na de 45 a 59 anos, e 19% na faixa de 60 anos ou mais. Nada de novo: conservadorismo e medo da mudança usualmente crescem com a idade.

– Ainda que pequeno, o grupo dos 12% tem uma força social acima da média brasileira. Não é uma fatia majoritariamente de pobres nem de desinformados, não são ignorantes inocentes. Sua presença aumenta com a renda familiar mensal medida em salários mínimos: na categoria de renda que vai até dois salários, há 5% de entrevistados incluídos no grupo heavy. Essa taxa sobe para 15% no grupo de dois a cinco salários e vai para 23% no de cinco a dez salários, alcançando 25% na categoria que tem renda maior que dez salários mínimos por mês.

Outro bom indicador de estratificação social é a escolaridade. No grupo de apoio irrestrito a Bolsonaro, estão incluídos 12% dos que tiveram o ensino fundamental como nível maior de escolaridade, 11% dos de nível médio e 16% dos que tiveram educação superior.

Ainda conforme o professor, a distribuição por cor é outro indicador que ajuda a entender melhor o grupo: fazem parte dele 5% dos indígenas, 8% dos pretos, igual número dos amarelos, 11% dos pardos e 17% dos brancos.

– É razoável concluir que os heavy de Bolsonaro não retratam o Brasil. Pelo que se viu até aqui, o grupo pode ser representado por um homem branco de idade madura, escolarizado e de estrato social de médio para alto.

O levantamento mostra que, em termos ocupacionais, apenas 8% dos assalariados sem carteira e 12% dos assalariados com carteira estão no grupo. O número sobe a 19% entre os trabalhadores autônomos e atinge os 32% entre os empresários.

– Diferenças brutais. As donas de casa e os desempregados também são menos afeitos aos atrativos do bolsonarismo radical, cada categoria se inserindo com 8%, enquanto se agregam ao grupo 20% dos aposentados, justamente a categoria que o governo Bolsonaro trata com desprezo explícito, como os grandes responsáveis pelas disfunções da economia brasileira – identifica Reginaldo Prandi, que acrescenta:

– Os estudantes, contudo, salvam a autoestima democrática: apenas 3% deles se deixam seduzir pelo voto em Bolsonaro, seguido da aprovação cega de seu governo e da credibilidade consentida às suas declarações diárias.

Para o professor, fica confirmada, em termos de anuência à reviravolta bolsonarista retrógrada pela via da direita, a discrepância entre as regiões do País: enquanto no Sul e no Sudeste 14% dos brasileiros seguem de olhos fechados o presidente do mal, permanecendo outras regiões com contribuições próximas a essa, o Nordeste reduz sua participação à metade, a 7%; entretanto, o tamanho dos municípios, em qualquer região, não se mostra como diferencial importante; nem o fato de se morar na capital ou no interior.

– Daquele hipotético homem branco, de idade mais madura e elevada extração social, podemos dizer também que se trata de um empresário que mora nas regiões mais ricas do País, nos mais diferentes tipos de municípios. Estamos perto de perguntar: é ou não é uma questão de classe social?

O pesquisador observa ainda que, desde que os evangélicos acorreram à política partidária para a defesa de seus interesses na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, e nunca mais pararam de crescer como efeito paradoxal da secularização em curso da sociedade brasileira, a religião é outro fator importante para tratar de assuntos eleitorais.

Na formação do grupo dos 12% do presidente não poderia ser de outra maneira. Dentre católicos, evangélicos tradicionais e espíritas é de 13% a taxa dos pertencentes aos heavy, número próximo à porcentagem que define nosso grupo. Algumas outras religiões estão perto disso. Mas os neopentecostais e os sem religião, exatamente os dois segmentos que mais crescem no Brasil no âmbito religioso, são os que mais se afastam, e em sentidos opostos, da média geral. Dentre os neopentecostais, são bolsonaristas roxos 23%; dentre os sem religião, 7% apenas.

– Muitos dos traços inquietantes aqui apresentados são atenuados quando se examinam outras categorias intermediárias geradas pela escala Paulino-Janoni do Datafolha. Nem o Brasil vai assim de tão mal a pior: em oposição aos 12% do presidente, há, do outro lado, 30% de brasileiros que rejeitam completamente o bolsonarismo definido pelas três dimensões aqui analisadas: o voto, o apoio ao governo, a confiança no discurso.

Conforme Reginaldo Prandi, as categorias intermediárias têm muito a dizer: vale lembrar que os bolsonaristas que fazem alguma crítica ao presidente somam 26%, enquanto os que são contrários a Bolsonaro, mas aceitam aspectos de seu governo e seu discurso, são 32%.

– Certamente, pelo que suas atitudes recalcitrantes indicam, é no espelho dos 12% que o presidente prefere ver sua imagem refletida. Com um toque religioso meramente utilitário, quando não interesseiro – conclui.

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