Recomendamos o artigo do jornalista e poeta Fabrício Carpinejar, publicado em GZH.
Querido deputado federal,
Eu o conheci na TVE, quando você foi o presidente da emissora. Sempre estava de bom humor, alegre, motivador, um homem bonito afeiçoado às câmeras, dono de um bordão imitado por todos os gaúchos: “Sucesso!”.
Fui seu estagiário de jornalismo no início dos anos 90, no departamento de Divulgação e Marketing. Repassava a programação e os destaques da grade da televisão para a imprensa. Você foi responsável por uma gestão animada, buscando elevar o padrão cultural da nossa prestação de serviço, brigar por ibope, não reduzir o nosso sinal a um mero traço.
Pois, humildemente, peço que revise as suas opiniões. Acho que entrou em um caminho equivocado de barbárie, incitando o ódio quando estamos precisando de amparo e colo.
Não se brinca com a morte. Não se brinca com o luto. Não se brinca com a tragédia. Não sei o que aconteceu durante esse tempo em que não nos falamos, mas você está diferente, está transtornado de raiva, não pode estar feliz dizendo o que disse.
Como você pode caracterizar alunos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e de Pelotas (UFPel) de inúteis? Qual a legitimidade da ofensa?
Chamar atenção? Assim você só perde o respeito.
Como pode declarar que os alunos de Santa Maria merecem ser queimados vivos?
Ainda que fosse uma alusão ao filme Tropa de Elite, não era o momento, nunca será o momento.
Mesmo que pretendesse insinuar que, se os alunos “alienados”, “filhos de papai”, defenderem um posicionamento de esquerda, terminarão queimados vivos dentro de pneus pelos bandidos, isso não representa uma comparação apropriada.
Depois de tudo o que aconteceu na boate Kiss? Depois de uma cidade jamais se recuperar de um incêndio que matou 242 filhos? Você não é pai? Não tem piedade?
Você pode se opor politicamente ao protesto organizado pelos estudantes contra os cortes orçamentários nas instituições de ensino superior, resultado de um bloqueio no Ministério da Educação (MEC) anunciado no início do mês, mas de modo nenhum ser desumano e insensível.
Há certas palavras que não têm como ser corrigidas. Elas morrem na boca, apodrecem um por um dos dentes pelo veneno letal da indiferença. Roubam a inocência do riso.
As famílias de Santa Maria não terão suas crianças de volta. Sabe o que significa um disparate macabro reacendendo os fatos? O peso da zombaria? O julgamento foi anulado, e ainda não houve justiça depois de quase uma década.
O ventre e o coração secaram desidratados de saudade. Os lares permanecem aniversariando ausências, presos para sempre na véspera de vida daquela fatídica madrugada de 27 de janeiro de 2013, quando ainda havia esperança.
Desejo não perder a humildade de um estagiário. Sou só um estagiário que passou em sua vida, mas vivo de cada palavra que lanço para fora de minha alma.
Cordialmente,
Fabrício Carpinejar