Um parecer técnico elaborado por mais de 20 servidores da Prefeitura de Gravataí — entre eles procuradores concursados e especialistas das secretarias de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano, Fazenda e Planejamento — concluiu que a Estância Província de São Pedro, área de 400 hectares localizada na Avenida Itacolomi, não cumpre as condições ambientais que justifiquem o status de “área de preservação ecológica e paisagística” previsto na atual Lei Orgânica do Município.
O Seguinte: teve acesso ao documento, emitido nesta segunda-feira (13), que embasa o Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 01/2025, proposto pelo prefeito Luiz Zaffalon (PSD), que retira a Estância da lista de áreas de proteção integral — mantendo, porém, a condição do Morro Itacolomi.
A medida é um dos pontos mais polêmico da primeira ‘pauta-bomba’ do governo Zaffa 2, que revisa artigos da ‘Constituição de Gravataí’; leia mais em Audiência pública abre semana que deve ter votação polêmica sobre mudanças na Lei Orgânica de Gravataí; entenda a ‘pauta-bomba’.
Área nobre, degradada e sem acesso público
A análise técnica — assinada pelo Sistema de Supervisão do Processo Urbano (SSPU), formado por oito secretarias e pela Procuradoria-Geral do Município — descreve a Estância como um “vazio urbano” degradado e de acesso exclusivo a sócios privados, com presença de plantações agrícolas, espécies exóticas e ocupações irregulares.
“A Estância apresenta degradação dos recursos hídricos, vegetação nativa impactada, invasões consolidadas e usos incompatíveis com o zoneamento urbano, como o plantio de soja e eucalipto”, diz o parecer.
Apesar de a Lei Orgânica prever proteção integral desde 1991, a Estância não é um parque, nem possui manejo ambiental público ou comunitário. Pelo contrário: segundo o relatório, há descarte irregular de lixo e esgoto, queimadas e danos à iluminação pública devido à falta de manutenção, além de ônus à Prefeitura por necessidade de intervenções sanitárias e fiscais.
De proteção legal a passivo ambiental
O parecer afirma que as feições ambientais relevantes (nascentes, arroios e remanescentes de mata nativa) já estão protegidas por leis federais, estaduais e municipais, independentemente do texto da Lei Orgânica. Entre elas estão o Código Florestal, a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), o Decreto Federal 6.660/2008 e o Código Ambiental Estadual (15.434/2020).
Na prática, diz o documento, a manutenção do status de preservação integral não garante proteção — e sim impede ações corretivas.
“Manter a designação de preservação em uma área ambientalmente comprometida é contraproducente, pois inviabiliza soluções que poderiam restaurar a vitalidade do local e integrá-lo à cidade”, afirma o trecho assinado pelos técnicos.
A Prefeitura ressalta ainda que o proprietário da Estância é o responsável direto pelo dano ambiental, conforme a legislação vigente, uma vez que não realiza manutenção, controle de invasões ou recuperação de áreas degradadas.
Árvores exóticas, invasões e evasão fiscal
Os dados do parecer revelam que a Secretaria do Meio Ambiente autorizou a supressão de 128.535 árvores exóticas (eucaliptos e pinus) numa porção de 135 hectares da propriedade — cerca de um terço do total. A operação exigiria a retirada adicional de 16.680 árvores nativas, mas o processo foi suspenso e aguarda reavaliação.
A área, segundo o laudo, possui invasões consolidadas com lançamento de esgoto in natura, o que impacta o arroio Barnabé, além de ocupações clandestinas toleradas e arrendamentos irregulares.
No campo fiscal, a Secretaria da Fazenda estimou que a isenção atual da área representa renúncia de receita superior a R$ 600 mil por ano, apenas em IPTU, valor que poderia crescer até R$ 9,3 milhões anuais com a plena tributação da gleba, avaliada em cerca de R$ 400 milhões.
Plano Diretor prevê parque e bacias de contenção
O parecer técnico propõe que o novo Plano Diretor e o Plano de Drenagem Urbana (PDDrU) incorporem diretrizes específicas para a área, incluindo a criação de um parque linear público e dois reservatórios de detenção para reduzir inundações do arroio Barnabé.
O investimento total estimado para as obras é de R$ 132 milhões, sendo R$ 32 milhões em drenagem e mais de R$ 100 milhões em desapropriações e infraestrutura. O texto sugere uma parceria público-privada (PPP) para viabilizar o parque ambiental e recuperar as áreas degradadas.
Além da questão ambiental, o parecer reforça que a Estância atua como uma barreira física entre o Centro e a ERS-020, dificultando a integração viária e o desenvolvimento urbano.
A equipe técnica defende a implantação de novas conexões norte-sul e leste-oeste, alinhadas ao Plano de Mobilidade, para integrar o terreno à malha da cidade.
“A criação de diretrizes viárias é estratégica. A área não cumpre sua função social e gera custos públicos crescentes”, aponta o relatório.
Política, ambiente e a “ficção legal”
A ‘pauta-bomba’, que tem audiência pública nesta segunda-feira e deve ser votada em primeiro turno nesta quinta, pela Câmara de Vereadores, expõe uma contradição de décadas: uma gleba particular, de uso restrito e degradado, mantida como área intocável no papel.
Para o prefeito Luiz Zaffalon e sua equipe, a alteração corrige “uma distorção histórica” e abre espaço para recuperação ambiental e tributação justa. Já opositores e setores ambientalistas temem que a mudança abra brechas para urbanização predatória.
“A diferença, se aprovada a alteração, é que a lei não servirá mais de biombo para proteger interesses privados sob o rótulo de preservação ambiental. A sociedade civil proprietária continuará a gerir essas ‘terras raras’, como sempre fez. Só não poderá mais se escorar em uma ficção legal”, foi minha conclusão em Natureza, exclusividade e contradição ambiental: a verdade sobre as ‘terras raras’ da Estância São Pedro em Gravataí, artigo que publiquei no Seguinte: em 26 de setembro.
CLIQUE AQUI para ler o parecer da SSPU, que traz mapas e imagens.
Assista na SEGUINTE TV vídeo de drone sobre área que se torna alvo de polêmica