Todo bacanal, mesmo no período carnavalesco, exige o mínimo de ética, ao contrário do que pensa 'mãe Jucá'. O Seguinte: recomenda e reproduz o artigo de Xico Sá para o El País
Suruba é coisa séria, mesmo durante o período carnavalesco — etapa em que o brasileiro normal, diga-se, menos faz sexo. Sim, dana-se a organizar a nossa desunida gente em blocos, bloquinhos, troças, cordões e os seus “pavorosos abre-alas”, como bem definiria o cronista João do Rio ainda na bagunça carioca do madrugador 1906. No aspecto sexual, o ciclo momesco é uma farra de amadores com marchinhas ingênuas sobre o drama capilar dos zezés e os boletins meteorológicos de alás e alalaôs. O “evoé Baco” para valer não depende deste feriadão barulhento. Deixa quieto. Tratemos, pois, da seriedade surubística.
Suruba, talvez de origem tupi, Suru´ba, o mesmo que madeira, tronco degastado pelo uso. Faz todo sentido. Suruba, termo usado e abusado como tentativa da grande metáfora nacional, não cola, não dá liga, não orna, só desonera —desonera no sentido nordestiníssimo de estragar, não harmonizar, zero raio gourmetizador etc.
Socorro, Karnal e Cortella
Suruba exige uma certa ética. Risos, rs. Uma breve pausa: escrevi a frase e me veio à mente as vozes dos amáveis professores Leandro Karnal e Mario Sergio Cortella. Eles falando, a sério, sobre o assunto. Seria possível a suruba sob a ética de Espinosa? Talvez pudéssemos falar daquela parada sinistra: a razão não se opõe aos afetos. Apenas chutes, qual um bebê na barriga da ignorância, meus caríssimos filósofos.
Deixa quieto, embora andem falando alto pelos botecos. Suruba não dá liga com nossa política. A suruba requer um cadinho de respeito. Não é nada disso que a mãe Jucá, o oráculo picareta caboclo do golpismo, está pensando. Ele(a) acertou todo roteiro da cabidela estancada na sangria da real politik —com Supremo e tudo—, mas está a léguas da mínima moral de uma suruba.
Toda suruba, aqui considerando os bacanais improvisados de fim de excursões da meia idade, tem um mínimo de ética e etiqueta. Há inclusive uma excessiva organização que nos remete às reuniões dos comunistas de antigamente. Não é nada daquilo que a educação sentimental da pornochanchada nos ensinou com seus filmes populares. Esquece a sacanagem do grande David Cardoso, ídolo. O Brasil não se reconhece como país na suruba. Só os tupinambás ou os caetés alagoanos —em especial os devoradores do bispo Sardinha— dominavam tal arte. O resto é antropofagia barata.
– Se acabar o foro, é todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba. Não é uma suruba selecionada – disse o líder do Governo Temer no Senado.
Aliás, quando você escreve “líder do Governo Temer no Senado” você não deve mais uma sílaba de explicação aos bebedores dessa taverna nada platônica. Tudo explicado. Dá-me vinho que a vida é nada.
Suruba é coisa séria para virar chacota na boca de certos organizadores de tradicionais blocos de sujos da política brasileira. Mais respeito com as surubas, senadores. Mais respeito inclusive com a letra do grupo Mamonas Assassinas —me passaram a mão na bunda, e eu não comi ninguém. Suruba é algo tamanho família diante de vossas brochadas épicas e demais vergonhas públicas. Alto lá. E viva a fuzarca!
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de A Pátria em sandálias da humildade (editora Realejo), entre outros livros. Comentarista de televisão no programa Papo de Segunda (canal GNT) .