Compartilhamos o artigo do jornalista Reinaldo Azevedo, publicado pelo UOL
O governador Tarcísio de Freitas, coadjuvado (como de hábito) por Ricardo Nunes, cometeu o crime eleitoral mais grave desta campanha em São Paulo e, até onde sei, no Brasil. Vamos ver o que fará a Justiça Eleitoral, que prestou, não há muito, gloriosos serviços à democracia. Vai se omitir? Vai prevaricar? Vai fingir que não aconteceu?
Então vejamos. Com as urnas abertas e sem chance de o adversário se defender, Tarcísio, o “bolsonarista moderado”, o Dom Giovanni da extrema-direita dita “limpinha” — na pena e na dicção dos incautos ou dos hipócritas —, concedeu uma entrevista coletiva, com o número 15 estampado no peito, ao lado de seu Leporello e em companhia de cinco outras pessoas, todas devidamente “seladas”, e anunciou que a inteligência da Polícia interceptou mensagens do PCC orientando o voto em Boulos.
A coisa obedeceu a um ritmo e a uma coreografia de modo a tornar a imprensa cúmplice de seu crime eleitoral — quando menos, um caso descarado de abuso de poder político.
Com o ar serioso de sempre – afinal, ele é um “bolsonarista higienizado”, que não costuma babar farofa na camisa – anunciou:
“Teve o salve, houve interceptação de conversa e de orientações que eram emanadas de presídios por parte de uma organização criminosa, orientando determinadas pessoas em determinadas áreas a votarem em determinados candidatos. Houve essa ação de inteligência, houve essa interceptação, mas não haverá influência nenhuma na eleição”.
Eis aí: “uma organização criminosas”, “determinadas pessoas”, “determinados candidatos”…
Não quis ir pra lama sozinho. Ao lado, Nunes faz cara de Madre Teresa de Calcutá… Era preciso chamar a imprensa para ser a sua parceira no brejo criminoso. Então veio a pergunta como penúltima manifestação do pastelão reacionário:
“Qual era o candidato que eles orientavam a votar; qual era o candidato que eles estavam orientando a votar em São Paulo?”
E Tarcísio responde:
“Boulos”.
O arremate seria dado, como se viu, pelos noticiosos: “Tarcísio diz que PCC recomendou voto em Boulos”. O serviço sujo estava completo.
O mais grave crime
O PT já ingressou na Justiça Eleitoral com uma Aije (Ação de Investigação Judicial Eleitoral), acusando abuso de poder político – o que é escandalosamente inequívoco – e uso indevido dos meios de comunicação social. Era evidente que, sob o pretexto de prestar contas de uma ação empreendida pela polícia, fazia campanha negativa com o campo adversário, usando informação de que supostamente dispõe em razão do cargo que ocupa, não de sua vinculação partidária. Só para lembrar: sua função o obriga a ser governador também dos que se opõem a seu governo e dos que não votam em Nunes.
Trata-se do crime eleitoral mais grave desta campanha — o laudo falso armado por Pablo Marçal contra Boulos é crime grave, mas não tem implicações institucionais. Como chefe do Executivo estadual e da Polícia de São Paulo, cabe a Tarcísio manter sigilo da suposta investigação sobre a suposta recomendação, aguardando a apuração dos fatos. De resto, ainda que verdade fosse, que responsabilidade teria Boulos no caso?
Já escrevi que Tarcísio é muito menos burro do que eventualmente supõem seus adversários progressistas e também os que hoje o enfrentam no campo da extrema-direita porque notam que ele está comendo o “comível” Bolsonaro com garfo, faca e rigor.
Ele sabe que está a cometer crime eleitoral. Certamente foi instruído a dizer “não haverá influência nenhuma na eleição” para isso ser considerado posteriormente na Justiça. Três coisas:
1: se, de fato, aconteceu, ele não tem como medir a “influência”;
2: tendo dito o que disse, numa coletiva como aquela, com aquelas características, é evidente que é ele, Tarcísio, quem busca um “efeito eleitoral”;
3: uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral não ganha substância e razão de ser a partir do “efeito”. Cabe aos juízes arbitrar sobre a ação em si. Seu desdobramento pode, quando muito, ser intuído, e não serve de critério para descaracterizar o crime.
Ademais, se o PCC se movimenta com essa desenvoltura, isso também deve entrar na conta da eficiência, ou não, de seu governo na repressão à organização criminosa. Nota à margem: é preciso tomar cuidado com essa pletora de “interceptações” de mensagens de tal grupo que vem a público. Por que uma estrutura oficial tão eficaz em interceptar mensagens não consegue conter a bandidagem? Fiquem atentos: o anunciado “acesso” à rede de comunicação do PCC está virando um ativo político na mão do governante.
Por que o PCC faria isso?
Querem apostar que Tarcísio dispõe de “evidências” em mãos, uma vez que presume que lhe será cobrado que as apresente. Não descarto que venha a público alguma “mensagem”, de preferência um áudio, para os “irmãos” votarem em Boulos. Nunca ninguém saberá como aquilo foi produzido.
Caberia indagar: por que a preferência por Boulos se o PCC é tão bem-sucedido nos contratos com a Prefeitura? Investigação do Ministério Público levou a gestão a intervir em duas cooperativas de transportes coletivos: a Transwolff e a UPBUs, usadas, segundo a operação, para lavar dinheiro dos criminosos.
No dia seguinte, o prefeito, em pessoa, foi à UPBUS e rasgou elogios à empresa. Nunca se viu nada parecido.
Há mais: a realidade ensina que a organização criminosa tem sido mais ágil e competente do que os esforços do governo do Estado para combatê-la. Num exercício lógico elementar, é lícito indagar, na hipótese de que se tenha mesmo emitido o tal “salve”, se a bandidagem não sabia que a mensagem seria interceptada e, pois, tornada pública por uma autoridade, como de fato aconteceu.
Nesse caso, e continuamos no campo da lógica, dado que o PCC deve imaginar não ser amado pela população de São Paulo, um eventual “votem em Boulos” deveria ser lido por aquilo que obviamente seria: “votem em Nunes”. Até porque, dado o sucesso na elação com a Prefeitura, poderia valer a máxima: “em time que está ganhando não se mexe”.
Concluo.
É uma acusação? É um exercício de lógica elementar, caros leitores, feito por este escriba, que não tem o dever legal de mobilizar os recursos do Estado para combater o PCC. Tarcísio tem. É um exercício de lógica elementar de quem não exerce uma função que o leve a cometer crime de abuso de poder político e o de uso indevido dos meios de comunicação. Tarcísio fez as duas coisas.
A Justiça Eleitoral vai dizer, ao tratar desse caso, em que Brasil aposta na eleição de 2026: o da democracia ou o do faroeste promovido pela extrema-direita.