A decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS) que absolveu o ex-prefeito de Cachoeirinha, Miki Breier, da acusação de superfaturamento na compra de respiradores durante a pandemia não é apenas uma virada processual. É um reconhecimento tardio – mas necessário – de que a crise sanitária da covid exigiu decisões rápidas em um cenário de absoluta exceção.
A votação apertada (3×2), em sessão nesta quarta-feira, reflete a tensão entre a rigidez burocrática e a realidade caótica de 2020, quando prefeitos e governadores enfrentaram não apenas a escassez de insumos, mas uma guerra global por equipamentos.
O relator Iradir Pietroski, ao citar um acórdão do TCU, destacou o óbvio: a pandemia foi uma “condição superveniente absolutamente imprevisível”, que tornou “lógica e juridicamente impossível o cumprimento de requisitos legais compatíveis com momentos de normalidade”.
Ou seja, exigir licitações impecáveis ou preços de mercado em meio ao colapso era – e ainda é – um exercício de ingenuidade ou má-fé. O voto vencedor reconheceu a inexigibilidade de conduta diversa: Miki e sua equipe agiram com os instrumentos que tinham, em um momento em que respiradores sumiam do mercado em horas e valores quadruplicavam em dias.
A auditoria e a meia-verdade
Em 2020, quando a auditoria do TCE apontou um suposto superfaturamento de R$ 619 mil, já alertei para o risco de análises enviesadas. Como escrevi na época, o tribunal comparou preços de março com valores de julho, ignorando a disparada de custos no auge da pandemia; leia em Quer denúncia sobre o Hospital de Campanha de Cachoeirinha? Vai no OLX.
A Prefeitura argumentou – e provou – que, dias após a compra, respiradores similares tiveram aumentos de 83% em 24 horas. O Instituto Salva Saúde, contratado sem licitação, alegou que a auditoria desconsiderou serviços de manutenção e instalação, focando apenas no valor bruto dos equipamentos.
O que ajudou a criar a meia verdade (e toda meia verdade tem uma metade próxima da mentira), porém, foi o uso de plataformas como OLX para embasar denúncias de superfaturamento. Naquele momento, a caça às bruxas – alimentada por CPIs eleitoreiras e milícias digitais – criou um clima de desconfiança que, sim, pode ter afastado pacientes do hospital de campanha.
Questionar preços em meio a uma emergência é legítimo; transformar suspeitas em espetáculo, sem provas contundentes, pareceu-me uma irresponsabilidade.
Tirando o ar de Miki, até…
Miki Breier pagou um preço alto. Seu secretário de Saúde, Dyego Matielo Peres Lemos, agora também ‘absolvido’, foi demitido, sua gestão foi alvo de uma sindicância, e a oposição usou o caso como arma eleitoral. Agora, três anos depois, o TCE enterra a tese do “Covidão” – mas o estrago político já estava feito.
A denúncia foi a primeira asfixia ao governo Miki. Um ano depois, o prefeito foi afastado por suspeitas de corrupção em contratos de limpeza urbana que, quatro anos depois, ainda não se materializaram em ação penal. E, no ano seqüente, restou cassado não por roubo e sim por questões eleitorais que reputo absurdas.
Concluo.
Ao fim, vitória na corte de contas não apaga erros eventuais, mas reforça que, em situações extremas, a prioridade deve ser salvar vidas, não atender a formalismos. Se houve falhas, que se apurem. Mas é preciso lembrar: em 2020, Cachoeirinha perdia três pessoas por dia para a COVID-19. Enquanto alguns fiscalizavam planilhas, outros tentavam evitar que corpos se acumulassem nos corredores.
Aos que entendam que ajudo a oxigenar corrupção, respondo com a realidade, que sempre se impõe: o controle externo é essencial, mas não pode ser cego ao contexto. Espera-se que, no futuro, tribunais de contas – e a sociedade – saibam distinguir entre corrupção e improviso necessário. A vida, afinal, não espera licitação.