Estréia nesta sexta-feira no Seguinte: o colunista de teatro, cultura e arte em geral, Claiton Manfro. O primeiro artigo está logo abaixo. Antes, vamos apresentar o Claiton.
Claiton Manfro é proprietário do Espaço Infinito, no centro de Gravataí, um espaço que, além de loja, também dispõe de um centro terapêutico e de formação profissional. Claiton começou sua jornada teatral na década de 1980. É ator, dramaturgo, diretor e pesquisador de teatro. Fundou grupos que marcaram época, como o Espalha-Fatos, referência no teatro de rua em Porto Alegre, e o NTP – Núcleo de Teatro Popular, em Pelotas. Atualmente, dirige o Cisco Teatro, onde pesquisa e aplica técnicas inovadoras, como a Mímesis Corpórea.
Seus trabalhos no palco incluem participações em peças como “Hotel Atlântico”, sob a direção de Luciano Alabarse, e no filme “Entre Nós”, dirigido por Flávia Seligman.
Claiton é formado em Ciência Política e estudou Economia, com especialização em gestão e planejamento. Atuou na gestão pública em Gravataí, onde foi Secretário de Governança e Comunicação. Em sua gestão, implementou a Gestão Participativa e o programa Prefeitura Perto de Você, aproximando a administração da população.
Já em Cachoeirinha, foi secretário da Cultura por três oportunidades. Nesta pasta, implantou ações que se tornaram referência na área, como o FUCCA – Fundo da Cultura de Cachoeirinha, que democratizou o
acesso ao financiamento cultural; a Casa do Leite e da Casa da Cultura de Cachoeirinha, aparelhos importantes para o desenvolvimento da cultura local; o Carnaval Popular, que resgatou o espírito festivo da cidade com desfiles acessíveis a todos e o emblemático Cultura na Lona, reconhecido nacionalmente, além de ações como o Concurso Nacional de Literatura Jorge Ribeiro e os projetos: Paradas da Cultura, Sopa da Filosofia, Rapsódia n°1 – Festival de Música Livre da cidade e o Encontro de Artes Cênicas.
Agora, ele traz toda essa bagagem ao Seguinte:, prometendo reflexões e inspirações que vão muito além do óbvio em análises sobre o teatro e a arte em geral.
Abaixo da foto do Claiton, siga o primeiro artigo!
Um até breve a Júlio Zanotta
Hoje, com gratidão no coração, inicio uma coluna no Seguinte:, um espaço de reflexão e provocação cultural, onde falarei sobre uma das paixões que alimentam minha alma: o teatro.
Com o intuito de promover debates e contribuir com a caminhada daqueles que veem na cultura uma ferramenta transformadora – ou, quem sabe, até mesmo um meio de “salvação” – iniciei esta coluna com a esperança de constância e profundidade. No entanto, inauguro esse espaço com uma notícia triste – é com o coração apertado que me despeço de um grande ser humano, mestre do teatro e da cultura gaúcha/universal: Júlio Zanotta, nos deixou nesta quarta-feira, 20 de novembro, aos 74 anos.
Júlio foi um renomado dramaturgo, escritor e ativista cultural brasileiro, destacado pela sua abordagem radical e irreverente na arte e na literatura. Nascido em Porto Alegre, ele teve uma trajetória marcada por sua constante luta contra a repressão, sendo (junto com Paulo Flores), um dos fundadores do Ói Nóis Aqui Traveiz, um dos mais importantes grupos de teatro do Brasil.
Zanotta se destacou não só por sua militância política, mas também pelo seu estilo provocador e inovador no teatro, tratando de questões como identidade, sexualidade e resistência, frequentemente utilizando uma linguagem visceral e cheia de crítica social. Ele foi um grande agitador cultural, um visionário que desafiou e renovou nossa maneira de pensar e fazer arte, não se limitou a produzir espetáculos de teatro; foi além, construindo trincheiras de resistência em tempos de opressão, quando a arte era, muitas vezes, a última tábua de salvação. A coragem de Júlio para questionar e inquietar, com uma intensidade transbordante em cada palavra e gesto, deixou um legado imensurável para a cena cultural brasileira.
Sua produção literária segue a mesma linha de urgência visceral que marcou sua vida e sua arte. Em Louco (1995), ele escreveu: “Não durmo porque não posso. Tenho medo que me roubem a pele do hímen.” Essa frase, crua e poética ao mesmo tempo, foi um dos elementos que mais me impactaram.
Ela inspirou a criação de um dos espetáculos mais emblemáticos da história de “meu” grupo – o Cisco Teatro: A peça À Beira do Nada, apresentado na sede do LUME (Unicamp/SP). Essa produção não foi apenas um marco para nosso grupo, foi uma celebração do impacto que Júlio e sua obra exerceram sobre minha visão artística. O debate com a plateia que se seguiu à apresentação, reafirmou a força de sua arte – que era capaz de transformar pensamentos e perspectivas.
Júlio também foi um ser multifacetado. Em Porto Alegre, seu sebo/livraria Ao Pé da Letra, não era apenas um local de venda de livros usados, era um verdadeiro templo da palavra e do encontro, um ponto de convergência para intelectuais, escritores e artistas, onde circulavam ideias e discussões sobre literatura, arte, filosofia e política. O sebo não só refletiu a visão de mundo de Júlio, mas se tornou uma plataforma para o debate e a troca de saberes. Seu espírito inquieto e generoso estava impregnado em cada canto daquele espaço, tornando-o um centro de resistência cultural.
A perda de Júlio é irreparável para o Rio Grande do Sul, para Porto Alegre e para todos aqueles que o conheceram. Tenho certeza de que sua obra, suas palavras e seu legado continuam vivos. Como ele mesmo disse: “A lucidez às vezes dói, mas é preferível ao conforto da alienação.” E é nesse espírito de inquietação que ele nos deixou, sempre desafiando a comodidade e nos chamando para o despertar, para a reflexão profunda sobre o papel da arte na sociedade.
Júlio Zanotta foi um dos grandes mestres da dramaturgia brasileira. Vencedor do Prêmio Açorianos de Literatura de 2023 na categoria Dramaturgia, com Milkshakespeare, ele era um grande autor, cuja obra é um reflexo da sua busca incessante por verdade, inquietação e transformação. Sua produção vem sendo cada vez mais reconhecida pela sua capacidade de criar um desconforto necessário, “essencial para renovar o ar da sala”, como bem observa o escritor Luís Augusto Fischer. Antonio Hohlfeldt chegou a compará-lo ao grande Qorpo Santo – o precursor do Teatro do Absurdo no mundo.
Além de Milkshakespeare e Louco, ele também foi responsável, entre outras obras, por A Carne Falará e Os Ossos do Mundo, que marcaram a cena cultural e literária de nosso Estado, e que continuam a ser estudadas e admiradas por sua ousadia e profundidade.
Ele também se envolveu ativamente no cenário literário, tendo sido presidente da Câmara Riograndense do Livro e responsável pela modernização da Feira do Livro de Porto Alegre. Por tudo isso e por muito mais, Júlio se tornou um nome essencial para entender a cena teatral e literária de nosso Estado.
Ele foi embora hoje, mas nos deixou um legado cultural imenso. Como ele mesmo disse, e eu me permito repetir, “A lucidez às vezes dói, mas é preferível ao conforto da alienação.”
Até breve camarada! Você continuará presente em nossas memórias, assim como o eco da música Corsário (de João Bosco e Aldir Blanc), que nos chama à resistência, à reflexão constante sobre as “febres loucas e breves, que desafiam nossa sanidade e que mancham o silêncio do cais”. É nesse mesmo espírito, que nos deixa o mestre, desafiando-nos a seguir lutando, provocando e pensando.