Da série me cortem os tubos! Me aguentem ou…
Essa é das antigas!
Era lá pelos anos 70 e acho que andava por volta dos meus 15 anos, por aí. Gurizão, sem saber nada da vida. De verdade. Eu era um ingênuo funcional, por assim dizer.
Recém eu tinha saído de uma escola municipal onde acabara o primário. Enfrentadas as provas do extinto ‘exame de admissão’, que só os mais antigos conheceram, e tendo sido aprovado com boas notas, passei a estudar em uma grande escola da rede estadual.
Tudo isso, lá na terra dos arrozais, às margens do Jacuí.
A escola era a Borges de Medeiros. Sapato preto, ou tênis preto, calça cinza e blusa verde de gola ‘v’ sobre camisa branca. Tempo em que usávamos uniformes, cantávamos o hino nacional pelo menos duas vezes por semana, estudávamos – entre outras disciplinas – Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil, e fazíamos fila para entrar na aula.
Chegar atrasado era motivo para reprimenda na sala da direção!
Pois bem.
Eu era um bom aluno, aplicado, de boas notas.
Mas chamava a atenção nas aulas somente por isso, por ser bom aluno. Era sempre o primeiro a realizar leituras, a apresentar trabalhos, a liderar a turma em atividades dentro da escola.
De resto, eu era o “risco e o fedor”, de tão magro. Quando eu andava – exagerando, claro – era um bater de ossos que se ouvia ao longe. E orelhudo que era e já meio cabeludo, não demorou para ganhar o apelido de ‘lobão’. Sei lá porquê.
Pois na mesma turma estudava uma magrela bem bonitinha, cabelos bem ondulados, que sei lá por quais cargas d’água inventou de fazer amizade comigo. Não vou dar mais detalhes porque ela ainda mora na cidade e está muito bem casada com um bem sucedido operador do Direito. Vai que algum fofoqueiro…
Então, certo dia, ela me confidenciou que iria a um baile de CTG. Era no Lanceiros do Sul, baile da Semana Farroupilha que, naqueles tempo, era muito mais que um acontecimento em Cachoeira do Sul e por todo o estado.
Aquela confidência me soou como um convite para que eu fosse encontrá-la. E até hoje acho que era mesmo. Mas como fazer se não tinha botas, nem bombacha, nem cinto com guaiaca, muito menos lenço para por no pescoço?… E nem sabia dançar música gaúcha. A propósito, acho que nem sabia o que era música gaúcha.
Bom, camisa branca eu tinha. E chapéu era desnecessário porque, sendo baile, a cobertura estava dispensada.
Mas eu tinha que ir ao baile!
Na esquina da casa da rua em morávamos residia o ‘seu’ Argemiro (já falecido), a dona Ivone – sua esposa – e o filho único do casal, o Alcemar. Mãe e filho e agora com seus descendentes ainda moram na mesma esquina das ruas Marcílio Dias e José Bernardo Meirelles.
Meu pai e o Argemiro eram grandes amigos. E com frequência brincávamos na casa da esquina onde havia mais espaços e a gurizada da volta se reunia, uns para serem os mocinhos e outros para encarnar o papel de bandidos.
Vai que, me animei, e resolvi pedir emprestados os apetrechos para o Argemiro. Botas, bombachas, cinto, lenço… E ele emprestou. Claro, tudo coisa que ele, homem de CTG que até patrão foi no Os Gaudérios, possuía e nem usava mais porque já havia adquirido outras peças, novas. Mas os velhos que ele emprestara já me serviam.
Detalhes: A bombacha me ficou tão larga que, por baixo, tive que usar uma calça de brim para dar, digamos, um maior enchimento. E as botas eram uns três ou quatro números a mais do que eu necessitava. Solução foi encher o bico e as laterais com jornal até que meus pés se encaixassem sem ficar bamboleando dentro daquela peça de couro, cano curto.
O resto até que serviu mais ou menos a contento. Claro, depois de fazer um novo furo com um prego, no cinto, para ele apertar as ‘frouxuras’!
Aparamentado, me larguei para o CTG. A grana era curta naqueles tempos, mas eu dispunha de uns cobres para pagar a entrada. Deu até para tomar uma Fanta. Sabor laranja.
Andando na volta do salão, custei a achar a moçoila. Claro, estava muito mais bonita do que era na escola, dentro de um vestido de prenda e com um penteado diferente no cabelo. Tinha até uma flor, em um lado da cabeça.
Me enchi de coragem – também, com uma Fanta! – e tirei a moça para dançar.
Claro que não lembro a música. Mas a fiasqueira foi inesquecível. Primeiro porque não sabia dançar, e, segundo, porque com as botas muito maiores que meus pés eu não conseguia nem mesmo ensaiar o “dois prá lá – dois prá cá” sem subir nos pés da guria.
Ela, de muito bom grado, aguentou até o final da música. Depois, agradeceu como era de praxe naquela época, e foi-se à mesa em que estava com a família.
Depois disso, não arrisquei a convidá-la, novamente, para outra experimentação dançante. Frustrado, me retirei e fui para casa dormir.
Na segunda-feira, na escola, a moça sequer me olhou. E nem eu tive coragem de puxar assunto com ela. Nem dos grupos de trabalho em que tradicionalmente participava, ela participou mais. Isolou-me por completo.
Depois de acabado o ano escolar, nunca mais a vi. Somente muitos anos passados a encontrei, já estava casada. Nos cumprimentamos cordialmente como duas pessoas educadas fazem, mas nunca chegamos a falar naquela minha desastrosa noite tradicionalista em que me travesti de gaúcho para tentar conquistar uma prenda.
Depois dessa, até comprei botas e bombachas, mas admito: nunca fui um bom gaúcho, destes de CTG…
Por estas e por outras que eu digo, para o mundo que eu quero descer.
Ah, aproveita e me corta os tubos!