Sigo no desafio de digitar somente com a mão direita. Ansiosa para me livrar da tipoia e começar a fisioterapia, mas consciente de que o processo é lento. O braço dói quando tiro o apoio, a mão ainda está meio rígida… Mas cada dia, cada pequeno progresso, é uma alegria.
O tombo aconteceu na semana em que comecei minha pós-graduação EAD em Arte-educação. Ainda bem que é tudo pelo computador, mas mesmo assim foi uma batalha acompanhar a primeira disciplina com dor e a cabeça cheia de remédios. A segunda matéria começou quando eu já estava mais recuperada da cirurgia, então foi bem mais tranquila.
Para o trabalho de avaliação desta disciplina, precisei elaborar uma atividade educativa sobre um museu. E escolhi nosso Museu Agostinho Martha, porque valorizo a história da aldeia. Tenho uma questão de afeto também, porque meu avô e meu pai trabalharam em atafonas (as fábricas de produção de farinha de mandioca e polvilho que foram fundamentais no desenvolvimento da cidade).
Lembro de visitar o museu antes do incêndio de 1997. Mas a minha memória mistura as lembranças daqui com as visitas ao Museu Júlio de Castilhos (de Porto Alegre), por ambos serem voltados à história. Então não dou certeza do que vi na adolescência.
Quando estava na faculdade, fui algumas vezes pesquisar nos arquivos que estavam (uma situação provisória que durou anos) na sede da Fundarc. Recordo que folheei algumas edições do antigo jornal O Gravataiense, quase chorando porque não havia luvas para manipular o material com o cuidado correto. Também fiz algumas pesquisas para matérias do Correio de Gravataí, onde eu trabalhava.
Mas aquele canto da Rua Nossa Senhora dos Anjos é especial. Não só pelo sobrado que abriga o museu, também pela pracinha em frente… não sei se ainda existe lá uma máquina de atafona, mas eu gostava de passar pela praça, olhar aqueles objetos e pensar que eram parecidos com os que meu pai trabalhou. É uma sensação de pertencimento à história da cidade, sensação boa.
Outro dia ouvi uma frase (de Helen Marks) de que gostei muito: "O passado é referência, não residência. " Então, apesar de todo o papo nostálgico até agora, vou partilhar dois poemas inspirados por incômodos recentes. Já tem um tempo que os escrevi, mas soam como se tivessem nascido hoje.
TEMPOS MODERNOS
Tempos esses…
calor de caldeira
as máscaras derretem
mais rápido
a cada “espetáculo”
mal dá tempo
de assentar na cadeira
Tempos esses…
a bondade é seletiva
e surda
estende o prato
e nem vê os olhos
nem pergunta
“qual é tua fome?”
Tempos esses,
meus senhores…
onde ninguém
quer mais ser plateia
onde vence
quem grita mais alto
e aos poucos
todos estão roucos
Sãos, só sobram os loucos.
DONA RAIVA
Dona Raiva
nunca é boa conselheira:
tem os olhos turvos de mágoa
aquele olhar de catarata
onde nada mais é cristalino.
Dona Raiva
grita e esbraveja
em todas as direções
e no fundo só deseja
alívio para as aflições.
Dona Raiva
já nem sabe mais de onde
vem tanta revolta
só procura, às cegas,
jogar para alguém de volta.
Dona Raiva
acha que tem respostas
nas na verdade é só desespero
puxando quem estiver por perto
para dentro do seu atoleiro.
Dona Raiva
pensa que vai
salvar o mundo
mas tanta raiva,
minha senhora,
só vai mesmo
nos levar ao fundo.