Jeane Bordignon

Vamos prestar atenção nos Henry Borel

O menino Henry Borel não queria ir para a casa da mãe e do padrasto. Chegou a vomitar. Ele também disse que o “tio” tinha o abraçado apertado demais. Ninguém deu a devida atenção. Interpretaram que o garoto não estava aceitando bem a separação dos pais, apenas. Até ser tarde demais: a criança morreu em razão das lesões provocadas pelas agressões.

A menina Isabela Nardoni também não queria ir para a casa do pai e da madrasta. Mas como o genitor tinha direito por lei, a filha precisava ficar com ele a cada 15 dias. Até ser estrangulada e jogada pela janela. Um caso que chocou o Brasil.

O menino Bernardo Boldrini chegou a pedir ajuda no fórum. Chegou a pedir para trocar de família. Andava desnutrido e malvestido, embora fosse filho de um médico importante na cidade. O garoto até relatou a uma pessoa próxima que a madrasta havia tentado sufocá-lo. Os apelos não foram suficientes, e Bernardo foi assassinado friamente pela madrasta, com apoio do pai.

Quantos Henrys, Isabelas e Bernardos perderão a vida ainda até que nós, os adultos, realmente saibamos abrir nossos ouvidos e nossos corações?

Temos, por cultura ou hábito, o costume de minimizar as queixas infantis. Colocamos rapidamente na caixinha da birra, da teimosia… Como se crianças não tivessem direito de reclamar de nada. Apesar devem ficar caladas e obedecerem, afinal “os adultos é que sabem das coisas.”

Por mais dependente que seja, a criança não é um apêndice do adulto, que deve apenas seguir seus comandos. É uma pessoa em formação, com suas vontades, seus desejos, seus medos. E tentando entender esse mundo maluco em que vivemos. Quem inventou que é fácil ser criança?

E os pequenos nem sempre sabem expressar seus medos e desconfortos. Estão aprendendo ainda. Febres, vômitos, comportamento arredio, agressividade, muitas vezes são mensagens que as crianças não conseguem traduzir em palavras. E quando falam, é com o repertório ainda simples que possuem. Cabe a nós, adultos, traduzir coisas como o “abraço apertado demais”.

Mas geralmente achamos que a criança está exagerando ou sendo malcriada mesmo. (Detesto esse termo. Se alguém está sendo malcriado, ou seja, mal criado, o problema está no responsável por criar, não é?)

E muitas vezes, não queremos “nos meter”, porque filho é da mãe e do pai… “Mãe sempre sabe o que faz”. Esquecemos mães e pais também são pessoas com todos os seus defeitos, e ninguém se torna perfeito só porque teve um filho. Além disso, embora a biologia queira nos fazer procriar, tem muita gente que não possui nenhuma aptidão para a maternidade ou paternidade.

Precisamos aceitar que nem toda mulher nasceu pra ser mãe! Por que somos tão condescendentes com os homens que abandonam ou maltratam suas crias, sempre justificando que são imaturos ou foram vítimas do “golpe da barriga”? E por outro lado, para as mulheres a sociedade impõe a maternidade, e imputa toda a responsabilidade sobre os filhos.

Nem toda mulher tem instinto materno, e nem toda mãe é boa. Existem mães que não amam seus filhos, que veem nos pequenos um estorvo, um incômodo. E ligação sanguínea não garante afeto. Mãe é quem cria, ama, incentiva, protege. Muitos não encontram nada disso na mulher que os carregou no ventre. Mas nossa sociedade insiste na reverência aos laços de sangue.

Além daquelas que não sabem lidar com os rebentos indesejados, existem mães com psicopatia ou sociopatia. Maternidade não cura transtorno de personalidade. Um filho pode mudar o coração de uma pessoa, mas para isso é preciso que ela tenha capacidade de criar laços afetivos. É injusto e cruel obrigar uma criança a conviver com alguém que nunca vai ser capaz de amar a cria, só porque esse alguém a botou no mundo.

Gosto muito de um provérbio africano que diz que “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.” Acredito que a responsabilidade pelos pequenos é de todos que os cercam. Qualquer um pode dar afeto e também cuidado. Além de apoio às mães de verdade, quase sempre sobrecarregadas em duplas ou triplas jornadas.

Lembram do garotinho que morreu no metrô de São Paulo? Crianças são muito ligeiras. Crianças são curiosas. Crianças não medem consequências (até porque ainda não desenvolveram essa habilidade). E a mãe é uma só. Ninguém podia ter segurado o menino quando viu ele correndo em direção à porta?

Entendo o receio que algumas pessoas têm de serem mal interpretadas caso tentem interferir. Tem muita gente descompensada que reage com grosseria a uma tentativa de ajuda. Mas esse medo não pode ser maior do que o instinto de proteger uma criança em uma situação de risco.

Esse mundo não pode ser bom enquanto os pequenos não forem ouvidos e protegidos. Se nos tornamos “gente grande”, é porque alguém cuidou de nós. Henry, Isabela, Bernardo e tantos outros não tiveram chance de crescer. Façamos nossa parte para que outras crianças não tenham a vida interrompida nas mãos de quem deveria cuidar delas, ou escapando das mãos de uma mãe sobrecarregada.

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