RAFAEL MARTINELLI

Vereador de Cachoeirinha namora com a homotransfobia: a ocorrência policial, o protesto, a justificativa e o vídeo

Mano do Parque é vereador reeleito em Cachoeirinha

Um boletim de ocorrência foi registrado denunciando o vereador de Cachoeirinha Mano do Parque (PL) por suposta homotransfobia.

– Duvido um pai ou mãe querer que seu filho se identifique do gênero contrário ao que nasceu – disse o parlamentar reeleito, em participação em podcast, que motivou protesto organizado pelo Fórum LGBT de Cachoeirinha durante a sessão da Câmara.

Assista ao trecho e, abaixo, sigo.


O vereador explicou ao Seguinte: ter cometido uma “fala infeliz” no trecho extraído da entrevista.

– Talvez tenha ofendido algumas pessoas, mas não era a intenção – disse, usando o que já é um complemento clássico em polêmicas sobre discriminação.

– Tenho bons amigos LGBT, que frequentam minha casa, saem conosco, vivem nosso convívio familiar, e a condição deles em nada interfere em nossa amizade. O que importa é o caráter. E tem muito machão mau caráter – disse, lamentando “o movimento daqui querer criar uma pauta em cima de mim, usando um trecho do vídeo, para me acusar de transfobia”.

Durante a sessão, o vereador David Almansa (PT), mesmo sem citar Mano nominalmente, foi o único a condenar casos de homofobia. O registro da ocorrência policial foi feito pela coordenadora do Fórum LGBT de Cachoeirinha, Naty Klippel, na Delegacia de Combate a Intolerância de Porto Alegre.

Naty (D), coordenadora do Fórum LGBT, ao lado de Tamires Paveglio, na Câmara


Não sou policial, promotor de justiça ou juiz, mas, salvo melhor juízo, no recorte do vídeo Mano namora com a homotransfobia. Que não é um crime comum contra um indivíduo. É a discriminação social contra um segmento ou uma parcela da população por razões intimamente preconceituosas.

Se não opero no sistema de justiça, interpretar textos – e a força das palavras – é parte de minha profissão, jornalista.

Ao dizer que alguém que “se identifique do gênero contrário” é marginal ao gosto de pai e mãe, o vereador pode se enquadrar em voto de Celso de Mello, ministro relator no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 (ADO), que em 2019 penalizou a homofobia pela lei da Discriminação Racial.

“(…) O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito (…)”.

Conforme o STF, a homofobia é um crime imprescritível e inafiançável. A partir da decisão de 2019 se aplica aos casos de homofobia e transfobia a lei do Racismo (Lei n 7.716/1989), com penas de dois a cinco anos de reclusão e multa.

Conforme o Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, em 2023 morreram de forma violenta no país 230 pessoas LGBTI. O número equivale a uma morte a cada 38 horas.  Dessas mortes, 184 foram assassinatos, 18 suicídios e 28 por outras causas, segundo o levantamento sobre a violência e a violação de direitos LGBTI+.  

Dezoito suicídios…

Orientação sexual não é uma escolha, ok?. Não é porque é gostoso, acalmem-se os preconceituosos, curiosos ou espiando pela porta do armário.

Fato é que palavras tem força – e também matam, haja dolo ou não.

Pelo menos Mano reconhece a fala infeliz, apesar de complementá-la com o que já virou meme, o “tenhos amigos que são…”. E, após a publicação deste artigo, tenha informado já ter retirado o vídeo de todas suas mídias.

Ao fim, possivelmente o vereador vai ganhar seguidores e votos. Mas, seguindo nesse namoro com o preconceito, uma hora arrisca ser preso.

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