Um boletim de ocorrência foi registrado denunciando o vereador de Cachoeirinha Mano do Parque (PL) por suposta homotransfobia.
– Duvido um pai ou mãe querer que seu filho se identifique do gênero contrário ao que nasceu – disse o parlamentar reeleito, em participação em podcast, que motivou protesto organizado pelo Fórum LGBT de Cachoeirinha durante a sessão da Câmara.
Assista ao trecho e, abaixo, sigo.
O vereador explicou ao Seguinte: ter cometido uma “fala infeliz” no trecho extraído da entrevista.
– Talvez tenha ofendido algumas pessoas, mas não era a intenção – disse, usando o que já é um complemento clássico em polêmicas sobre discriminação.
– Tenho bons amigos LGBT, que frequentam minha casa, saem conosco, vivem nosso convívio familiar, e a condição deles em nada interfere em nossa amizade. O que importa é o caráter. E tem muito machão mau caráter – disse, lamentando “o movimento daqui querer criar uma pauta em cima de mim, usando um trecho do vídeo, para me acusar de transfobia”.
Durante a sessão, o vereador David Almansa (PT), mesmo sem citar Mano nominalmente, foi o único a condenar casos de homofobia. O registro da ocorrência policial foi feito pela coordenadora do Fórum LGBT de Cachoeirinha, Naty Klippel, na Delegacia de Combate a Intolerância de Porto Alegre.
Não sou policial, promotor de justiça ou juiz, mas, salvo melhor juízo, no recorte do vídeo Mano namora com a homotransfobia. Que não é um crime comum contra um indivíduo. É a discriminação social contra um segmento ou uma parcela da população por razões intimamente preconceituosas.
Se não opero no sistema de justiça, interpretar textos – e a força das palavras – é parte de minha profissão, jornalista.
Ao dizer que alguém que “se identifique do gênero contrário” é marginal ao gosto de pai e mãe, o vereador pode se enquadrar em voto de Celso de Mello, ministro relator no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 (ADO), que em 2019 penalizou a homofobia pela lei da Discriminação Racial.
“(…) O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito (…)”.
Conforme o STF, a homofobia é um crime imprescritível e inafiançável. A partir da decisão de 2019 se aplica aos casos de homofobia e transfobia a lei do Racismo (Lei n 7.716/1989), com penas de dois a cinco anos de reclusão e multa.
Conforme o Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, em 2023 morreram de forma violenta no país 230 pessoas LGBTI. O número equivale a uma morte a cada 38 horas. Dessas mortes, 184 foram assassinatos, 18 suicídios e 28 por outras causas, segundo o levantamento sobre a violência e a violação de direitos LGBTI+.
Dezoito suicídios…
Orientação sexual não é uma escolha, ok?. Não é porque é gostoso, acalmem-se os preconceituosos, curiosos ou espiando pela porta do armário.
Fato é que palavras tem força – e também matam, haja dolo ou não.
Pelo menos Mano reconhece a fala infeliz, apesar de complementá-la com o que já virou meme, o “tenhos amigos que são…”. E, após a publicação deste artigo, tenha informado já ter retirado o vídeo de todas suas mídias.
Ao fim, possivelmente o vereador vai ganhar seguidores e votos. Mas, seguindo nesse namoro com o preconceito, uma hora arrisca ser preso.