RAFAEL MARTINELLI

Viu, Câmara ‘Armamentista’ de Vereadores Gravataí? Mauro Cid delata que Bolsonaro queria CACs como braço armado do golpe

Em julho de 2022 critiquei a aprovação pelos vereadores do Projeto de Lei 27/2022 que “Institui a Semana Municipal dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores – CACs, no município de Gravataí”.

Leia lá, em A noite em que a Câmara ‘armamentista’ de Gravataí foi macabra; Vereadores sem vergonha de fechar o caixão.

Agora, em delação, Mauro Cid, disse que Bolsonaro queria os CACs como adicional civil e armado para garantir o golpe.

Associo-me ao artigo Golpe e sangue. E o ódio de canalhas e idiotas ao inquérito das ‘fake news’, de Reinaldo Azevedo.

Sigamos no texto.

Vamos ver. O tenente-coronel Mauro Cid afirma em sua delação que havia um grupo no entorno de Jair Bolsonaro que queria, sim, um braço armado para o golpe — e, tudo indica, não seria composto apenas por militares das Forças Armadas caso se desse o “soco na mesa”, para empregar a expressão do general Augusto Heleno na reunião golpista de 5 de julho de 2022. Nada disso! A ideia era mobilizar os CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) dispostos a partir para a guerra civil. Quem está surpreso? Tal perspectiva, por acaso, é estranha ao próprio Bolsonaro? Que vergonha, não, senhores militares? Fez-se uma quartelada em 1964 para “conter a subversão”, e coube ao “mau militar” (by Ernesto Geisel) ser o único presidente no cargo (ou ex) a pregar a luta armada. E cercado de uniformizados galonados. Trata-se também de um naufrágio moral. Sigamos.

As frentes de investigação em curso — inquéritos e conteúdo da delação de Mário Cid — servem, sim, para iluminar as trevas dos esforços golpistas do então presidente e de sua trupe de aloprados na reta final para a eleição e mesmo depois do resultado anunciado — além, claro!, das barbaridades de 8 de janeiro do ano passado.

Em verdade, temos muito mais do que isso. As apurações em curso trazem a lume um sistema, uma ecologia da destruição de instituições. Ainda que o “Imbrochável” pareça notavelmente desarticulado e, convenham, aparentemente disfuncional, o fato é que foi realizando os seus intentos com método e com determinação, sem nem mesmo esconder as suas intenções.

E tudo era tão vil, tosco, descarado e, na aparência ao menos, absurdo — porquanto parecesse impossível de acontecer; fora de uma lógica razoável de eventos; de pretensões testáveis por alguma medida de eficiência — que muitos se diziam: “Ah, deixem o doido para lá; ele não vai fazer; isso não dá em nada”.

E assim ele foi tornando o Brasil um país a cada dia mais belicoso. Entre 2019 e 2022, houve 691 novos registros de armas por dia para os tais CACs. A propósito: o que se caça no Brasil? Pobres? Houve nada menos de 904.858 registros no período — 47% deles em 2022, ano da disputa eleitoral. Os dados, publicados pelo Globo, foram fornecidos pelo Exército, com base na Lei de Acesso à Informação.

“Ah, mas será mesmo?” Bem, não peço nunca que acreditem na minha imaginação e nas minhas prefigurações. Nessas coisas, lido com dados. No dia 22 de abril de 2020, veio a público uma reunião ministerial liderada pelo valente. Estava numa espécie de surto. Aos berros, escoltado por palavrões de vários calões, afirmou, referindo-se a seus adversários, com elegância habitual:

“O que esses filha de uma égua quer (…) é a nossa liberdade. Olha, eu tô… Como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil! O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. E se eu fosse ditador, né?, eu queria desarmar a população, como todos fizeram no passado quando queriam, antes de impor a sua respectiva ditadura. Aí, que é a demonstração nossa, eu peço ao Fernando [Azevedo e Silva] e ao [Sergio] Moro que, por favor, assine essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá pra segurar mais, não é? Não dá pra segurar mais. Quem não aceitar a minha, as minhas bandeiras, Damares: família, Deus, Brasil, armamento, liberdade de expressão, livre mercado… uem não aceitar isso, está no governo errado. Esperem pra vinte e dois, né? O seu Álvaro Dias. Espere o Alckmin. Espere o Haddad. Ou talvez o Lula, né? E vai ser feliz com eles, pô! No meu governo tá errado! É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado.”

Retomo.

Convenham: trata-se do mesmo mecanismo mental que alimentava a tese golpista da reunião de 5 de julho de 2022 e da micareta fascistoide do próximo dia 25. A maquinaria mental deste senhor é primária — o que facilita a sedução do público que busca:

1: existiria uma conspiração de adversário contra ele; em 2020, eram os defensores do distanciamento social e da vacina; em 2022, o TSE e as urnas; em 2024, o sistema de Justiça — todos supostamente mancomunados com a esquerda;

2: desse modo, a sua atuação contra as instituições não seria uma ação deliberada, mas uma reação que ele pretende “justa” àqueles que vê como conspiradores;

3: havendo obstáculos institucionais para a efetivação de seus desígnios, conclui que se está diante da evidência de que está certo.

Assim ele caminhou. Assim ele assombrou as instituições. Assim ele foi inoculando o veneno do golpismo nos entes do Estado, inclusive nas Forças Armadas.

Sabem por que os canalhas odeiam tanto o Inquérito 4.781, o das “fake news”, instaurado de ofício (e segundo a lei) por Dias Toffoli em 14 de março de 2019, no que contam com as prosopopeias de inocentes e culpados úteis de setores da imprensa — inúteis para a vida democrática?

Porque é essa peça processual que estabelece os liames necessários entre o antes, o durante e o depois; entre os fatores antecedentes e os desdobramentos; entre as causas e as consequências.

Não por acaso, é nesse inquérito que se investiga a tramoia golpista que antecedeu o 8 de janeiro, e ela remonta aos primeiros dias do governo Bolsonaro. É esse inquérito que nos permite ler a reunião de 5 de julho de 2022 à luz daquela havida em 22 de abril de 2020.

O golpista é o mesmo, e não são diferentes seus delírios sangrentos. E será ele a subir no palanque no domingo que vem.

A democracia reserva um lugar para tal protagonista metódico, a despeito de seu jeitão abobado: a cadeia.

PEQUENA HISTÓRIA DE UMA GRANDE CHARGE

Revejam a imagem acima.

“Fiz essa charge na época da ditadura, quando a tortura estava correndo solta”, contou o cartunista Ziraldo. Muto provavelmente publicada no jornal “O Pasquim” na década de 70, foi encontrada pela diretora e roteirista Fabrizia Alves Pinto, filha do artista, em plena pandemia, em agosto de 2020. Atingia-se, então, a marca de 100 mil em consequência da Covid, num país governado por um negacionista patológico. Ao fim do mandato do ogro, eram 694 mil.

A pregação armamentista e golpista daquele de 22 de abril de 2020, note-se, justificava-se pelo inconformismo do fanfarrão truculento com as medidas de distanciamento social aplicadas por Estados e municípios e garantidas pelo Supremo. Ali ele marcou o tribunal como seu inimigo e vislumbrou uma guerra civil.

Sonhou com o “sangue do povo brasileiro”.

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