opinião

Justiça nega suspensão da extinção do Ipag Saúde; é hora de resolver isso, ou alunos e servidores perdem

A justiça de Gravataí negou a suspensão da tramitação do PL 19 encaminhado à Câmara de Vereadores pelo prefeito Marco Alba (MDB) extinguindo o Ipag Saúde, o plano de saúde que atende cerca de 10 mil pessoas entre servidores ativos, inativos, pensionistas e familiares.

A ação movida pelos oito vereadores da oposição – Alex Peixe (PDT), Carlos Fonseca (PSB), Demétrio Tafras (PDT), Dilamar Soares (PSD), Dimas Costa (PSD), Paulo Silveira (PSB), Rosane Bordignon (PDT) e Wagner Padilha (PSB) – que participaram de reunião na noite desta quarta no sindicato dos professores tinha como base o artigo 71 da Lei Orgânica de Gravataí, que diz:

 

“(…)

Os servidores municipais devem ser inscritos na Previdência Social, incumbindo, ao Município, complementar na forma da Lei e através do órgão de classe, a assistência médica, hospitalar, farmacêutica, odontológica e social.

§ 1º Incumbe, também, ao Município, sem prejuízo ao disposto neste artigo, assegurar a seus servidores e dependentes, assistência médica, cirúrgica e hospitalar, odontológica e social, nos termos da lei.

§ 2º Falecido o servidor, seus dependentes não perdem os direitos à assistência e ao tratamento previstos neste artigo.

(…)”

 

Traduzindo do juridiquês, a juíza Vanessa Osanai Krás Borges, da 3ª Vara Cível de Gravataí, entendeu que, como o projeto ainda não foi votado, suspender a votação seria uma interferência do judiciário no legislativo.

Siga a decisão na íntegra, a que o Seguinte: que teve acesso, e depois comento.

 

“(…)

28/03/2019 Vistos. ALEXSANDER ALMEIDA DE MEDEIROS, ROSANE MASSULO DA SILVA BORDIGNON, DIMAS SOUZA DA COSTA, CARLOS ROBERTO DIAS DA FONSECA, PAULO RICARDO PEREIRA DA SILVEIRA, DILAMAR DE SOUZA SOARES, FRANCISCO DEMÉTRIO TAFRAS e VAGNER PADILHA AZEVEDO impetraram o presente MANDADO DE SEGURANÇA em face dos atos praticados pelo PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE GRAVATAÍ,referindo, em síntese, que, em sendo vereadores do Município, participam da tramitação do Projeto de Lei n° 19/2019. Mencionam que o projeto tem como finalidade extinguir o IPAG-Saúde. Aduzem que a tramitação do projeto não está observando a Lei Orgânica Municipal. Referem que antes da alteração da lei municipal não pode ser aprovado o projeto de lei. É o breve relato. Decido. Para concessão de liminar, em sede de mandado de segurança, juízo de cognição sumária e documental, é indispensável que se façam presentes, de plano, os requisitos legais do fumus boni juris e do periculum in mora, porque o procedimento não admite dilação probatória, consoante disposto no inciso III do artigo 7º da Lei n° 12.016/2009. Analisando a documentação carreada pelos impetrantes, tenho que não comprovada a ilegalidade suscitada, uma vez que não cabe, via mandado de segurança, controle preventivo da constitucionalidade material de norma ainda em tramitação no Poder Legislativo Municipal. Nesse sentido, colaciono jurisprudência do nosso Egrégio Tribunal de Justiça: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. PROJETO DE LEI DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO QUE REEDITA MATÉRIA JÁ REJEITADA PELA CÂMARA DE VEREADORES. MESMA SESSÃO LEGISLATIVA. QUESTÃO INTERNA CORPORIS. DESCABIMENTO DO CONTROLE PREVENTIVO DA CONSTITUCIONALIDADE DE ATO LEGISLATIVO EM FORMAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. Os atos de parlamentares, na elaboração de leis, na votação de proposições ou na administração do Legislativo integram a categoria de atos de autoridade e, por isso, se expõem a mandado de segurança, desde que infrinjam qualquer princípio ou regra constitucional ou normas regimentais da corporação. No caso dos autos, discute-se a constitucionalidade de projeto de lei, cuja matéria já fora rejeitada em anterior projeto de iniciativa do Prefeito Municipal, tratando de IPTU, não podendo ser reapreciada na mesma sessão legislativa, nos termos do art. 67 da Constituição Federal. Ou seja, há violação em tese de dispositivo constitucional de reprodução obrigatória pela Lei Orgânica do Município de Porto Alegre. A quem cabe originalmente o exame da constitucionalidade de projeto de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo é uma das Comissões da Câmara de Vereadores. Conforme entendimento sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, é inadmissível o controle preventivo da constitucionalidade material das normas em curso de formação. A prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrai de outros Poderes da República, sem justificativa plausível, a prerrogativa constitucional que detém de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de inconstitucionalidade. Ademais, ausente o requisito do risco de ineficácia da medida, já que o projeto imputado de inconstitucional pode ser adotado pela maioria absoluta dos membros da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, tipificando a exceção do art. 67 da Constituição Federal, bem como, a qualquer tempo, comprovada a inconstitucionalidade do projeto em tramitação, se aprovado, poderá haver a desconstituição do ato normativo. Ausência dos requisitos do art. 7º, II, da Lei 12.016/2009. Ausentes a relevante fundamentação e risco de ineficácia para fundamentar provimento liminar. Agravo provido. (Agravo de Instrumento Nº 70076322163, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 20/06/2018) Além disso, diz a Súmula 266 do STF: ¿Súmula nº 266 ¿ Não cabe mandado de segurança contra lei em tese¿. Desta forma, não há falar em mandado de segurança contra lei em tese, devendo ser utilizado o presente remédio jurídico somente quando as leis e decretos permitirem efeitos concretos, tornando-se, assim, atacáveis pelo mandado de segurança a partir de sua publicação. Neste sentido: MANDADO DE SEGURANÇA, DIVULGAÇÃO NOMINAL DE VENCIMENTOS. PROJETO DE LEI EM TRAMITAÇÃO QUE PERMITIRÁ A DIVULGAÇÃO. IMPOSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. Tratando-se de mandado de segurança onde a parte pretende a obtenção da ordem para impedir a publicação nominal dos vencimentos e proventos de seus associados em face da existência de projeto de lei, que permitirá tal publicação pela autoridade coatora, enquanto não aprovado e promulgado, não há o direito alegado a amparar o mandado de segurança impetrado, impondo-se o indeferimento da inicial. Precedentes do TJRGS e STJ. Inicial indeferida. (Mandado de Segurança Nº 70054874250, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 29/05/2013)¿ (grifei) Assim sendo, diante da análise do feito, considerando que o projeto de lei objeto do mandamus sequer foi aprovado e promulgado, impõe-se a extinção do presente mandado de segurança sem julgamento de mérito, forte no art. 485, IV, do CPC. Isso posto, indefiro a petição inicial e JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito, por ausência dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, consoante art. 485, IV do Código de Processo Civil. Custas pelos impetrantes. Sem honorários advocatícios. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

(…)”

 

Comento.

Vi coisa semelhante no golpeachment que tirou Rita Sanco da Prefeitura de Gravataí. Mas há uma diferença política em relação ao PL 19. Um pouco de contexto e depois explico.

O processo de cassação da petista evidenciava ter erros. A defesa da prefeita optou por acionar a justiça para barrar a votação, ao invés de esperar para tentar anular o resultado. Resultado: o impeachment foi reapresentado com as correções e aprovado por 10 votos a quatro – à época a Câmara tinha sofrido uma redução de 21 para 14 vereadores.

A ação movida nesta quinta pela oposição-sindicato também me parece afobada para quem quer, mais do que fazer guerra política com o governo, barrar a extinção do Ipag Saúde.

É que, lendo o artigo da Lei Orgânica, você pelo menos fica em dúvida. Falei com três advogados, de diferentes ‘ideologias’, e todos concordam que a polêmica deve chegar ao ‘tapetão’.

A opção dos vereadores e do SPMG foi tentar parar a votação. A juíza entendeu que, como o PL ainda não foi aprovado, não tinha que se meter na história.

Ah, mas se está errado (isso não é uma afirmação, é uma dúvida), por que continuar tramitando? Porque a Câmara é um poder independente, que tem comissões que analisam a constitucionalidade dos projetos antes de submetê-los ao plenário. Depois, ainda há o voto de cada vereador.

Desenho: como a justiça vai fazer, antes dos próprios, o papel que constitucionalmente é dos vereadores?

A decisão da juíza é tão pesada que arquiva o processo. Em outras palavras: não concedeu a liminar para suspender a votação e também não vai analisar o mérito do pedido da oposição-sindicato.

Não sei se alguém se deu conta, mas politicamente os vereadores de oposição e a cúpula do sindicato perderam também uma grande oportunidade de tentar constranger o prefeito. Na promulgação da Lei Orgânica, em 1988, Marco Alba presidia a Câmara de Gravataí. Em outras palavras: é avalista do artigo 71.

Então quer dizer que ele garantiu que a Prefeitura tem que dar dinheiro para o plano de saúde dos servidores? Mais: como hoje apenas metade dos servidores (além dos familiares) usa a assistência em saúde, há possibilidade de ter que estender o benefício para TODO funcionalismo?

Aí entramos na análise jurídica. O procurador-geral de Gravataí Jean Torman prefere o silêncio. Nem chegou a ser notificado da ação. Mas o Seguinte: apurou com advogados próximos a ele que o governo já esperava uma ação nesse sentido. E, em caso de necessidade de defesa do PL 19 na justiça, o argumento é que a Prefeitura vai garantir aos servidores ter plano de saúde no momento em que possibilitará o desconto em folha em qualquer negociação feita pelos sindicatos com os planos privados.

Inegável que os Jogos Vorazes que contrapõe narrativas do sindicato e o governo terão episódios no tapetão. Se a Prefeitura perder e precisar alterar a Lei Orgânica, os olhos se voltarão a dois vereadores: Dilamar Soares (PSD) e Wagner Padilha (PSB), que já votaram com o governo.

É que para mudar a LOM, que a ‘Constituição Municipal’, são necessários 13 votos entre os 21. Hoje, o governo não tem. Mas como o projeto só poderia ser reapresentado em 2020, há tempo para conquistar o décimo terceiro elemento. Se bem que, como é ano eleitoral, e o prefeito encerra seu mandato, na política é mais fácil perder votos, já que os vereadores estarão preocupados com suas reeleições.

Ao fim, como tratei no artigo Votar extinção do Ipag Saúde agora é bom para todos; deixem os vilões para depois, publicado nesta quarta pelo Seguinte:, está na hora de resolver isso logo na Câmara. O prefeito não vai recuar e o SPMG tem a possibilidade de contestar a extinção na justiça. É a realidade.

Então, por que adiar?

Quem sofre são os alunos e pais, com a greve, e os usuários do Ipag Saúde, já que os recursos do plano de saúde vão acabar antes do meio do ano, já que os R$ 6,4 milhões de dívidas de 2018 estão sendo pagos com o orçamento de 2019. Os servidores continuarão a ter descontos no contracheque e os serviços serão suspensos.

 Não é torcida ou secação, mas não adianta acreditar, ou fingir acreditar, que tudo será resolvido por algum eleito para a profissão mais antiga do Brasil: o salvador da pátria.

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