há dez anos

Reencontros

Reprodução do Correio de Gravataí de dezembro de 2007

 

“Lá bem no alto do décimo-segundo andar do ano

vive uma louca chamada esperança

e ela pensa que quando todas as sirenas

todas as buzinas

todos os reco-recos tocarem

atira-se

e

ó delicioso vôo –

será encontrada miraculosamente incólume na calçada

outra vez criança…”

(Mário Quintana)

 

 

Ao ler este belo poema de Mário Quintana – tão excepcional quanto sua obra – pus-me a pensar no sentimento representado metaforicamente por essa criança encontrada na calçada – a esperança – que todos nós acalentamos no período em que termina um ano e começa outro.

Nós criamos expectativas e as lançamos ao encontro da primeira aurora de janeiro, na intenção de que cada dia do ano que começa guarde consigo sua parcela de contribuição à realização de todos os nossos sonhos, sejam eles palpáveis ou não.

Eu, da mesma forma, fui acalentando planos para o ano: uma viagem nas férias, a preparação de um livro, o tão esperado diploma no final do ano. Mas isso tudo foi antes de ouvir as batidas de um coração, que não era o meu, mas estava ali, dentro de mim. E, naquela ecografia, a primeira em que senti a vida de meu bebê, os planos feitos adquiriram outra consistência, outra cor, outros caminhos.

O sentimento de espera que uma gravidez traz consigo se assemelha àquele com que aguardamos o final do ano: ambos são marcados pelo reinício, que sempre desejamos, como uma forma nova de encarar a vida e os fatos.

Assim, os primeiros planos que tracei para o próximo ano ainda continuam, mas serão, com certeza, mais coloridos. E toda vez que sinto pular em mim essa vida que carrego, desejo também que este bebê, da mesma forma que tornará meus dias mais alegres, possa contribuir também para a vida de outras pessoas, para esta cidade em que nasci e em que ele também nascerá e, conseqüentemente, para um mundo melhor.

Num jogo de palavras e sentidos, a louca citada pelo poeta, chamada Esperança, se precipitará novamente ao final deste ano e se tornará, mais uma vez, infante. Só que, no meu caso, essa criança é um menininho e será real, bochechudinho e amado, muito amado.

 

***

 

Estranho, em pleno outubro, estar à espera de um menininho bochechudinho e amado, mas falar em final de ano, escrever com trema e com tantas repetições.

Explico:

Essa que escreveu o texto é uma Teresa de dez anos atrás, que esperava a virada do ano e, também, seu primeiro filho. Fora convidada pelo jornalista Rodrigo Becker a escrever suas expectativas para 2007, em matéria publicada no Correio de Gravataí de 30/31 de dezembro de 2006.

Reencontrei o jornal ao reorganizar alguns papeis, e quanta alegria senti.

Primeiro, porque a parceria continua – de forma virtual, os tempos mudaram – e cá estou eu escrevendo para o Seguinte:, que contabiliza cada vez mais acessos e notoriedade. Aproveito para agradecer – sempre é tempo – ao Rodrigo Becker, ao Rafael Martinelli e ao Roberto Gomes, pelo espaço.

Além disso, daqueles meus planos, vejo que conquistei o diploma que eu esperava – Licenciada em Letras – e acrescentei mais dois: Especialista e Mestre.

Viajei bastante.

Troquei muitas fraldas, aprendi a ser mãe. Augusto já não é mais “um bebê”, uma imaginação, é um menino que me abraça forte e que me enche de orgulho, cada dia mais.

E, hoje, vejo-me refletida: outro coração bate dentro de mim, outro menino chegará para renovar meu ano, e minhas esperanças seguem as mesmas: a de que meus filhos possam contribuir para a cidade em que vivem.

Reencontrar-se – ao final de um ano, ou numa reportagem antiga – é realmente um delicioso voo, como diria o poeta.

 

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