“Medicamentos foram defendidos por Bolsonaro durante pandemia e aumentaram lucro das empresas”. Recomendamos a reportagem publicada pela Agência Pública, que pertence ao especial Caixa-Preta do Bolsonaro – viabilizado graças ao apoio de milhares de leitores – que revela os potenciais crimes e abusos cometidos pelo governo Bolsonaro que ficaram escondidos por trás de sigilos, negativas e outras táticas de sonegação de informação.
Quatro medicamentos fizeram parte do chamado “Kit covid”, propagados pelo governo Bolsonaro como tratamento precoce contra Covid-19, e que nunca tiveram eficácia comprovada em nenhum lugar do mundo. O Kit, composto por sulfato de hidroxicloroquina, azitromicina, nitazoxanida e ivermectina, rendeu a venda de 6,6 milhões de frascos e caixas desses quatro remédios de março de 2020 a março de 2021, em levantamento exclusivo realizado pela Agência Pública à época da publicação do especial “Era uma vez no país da Cloroquina“.
Os números representam apenas as vendas desses medicamentos em farmácias privadas, isto é, não incluem o que foi aplicado em hospitais ou dispensado em postos do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nos casos da ivermectina e a nitazoxanida, dois vermífugos, que foram defendidos e tiveram o uso estimulado por Jair Bolsonaro, o ministério da Defesa informou em umas das reuniões realizadas pelo CCOP (Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19), em 3 de julho de 2020, que estava em curso um “conflito de interesses entre as fabricantes relacionadas aos vermífugos Anitta [nitazoxanida] e Ivermectina”.
Segundo o Ministério da Defesa, ambos os remédios têm a mesma função. O problema, segundo a Defesa, “é que o fármaco Anitta precisa de receituário médico e a Ivermectina está sendo vendida sem o receituário. Proibiram a venda sem receita médica somente do fármaco Anitta”.
O registro é parte da memória escrita das reuniões realizadas entre 2020 e 2021, até agora secretas, realizadas pelo CCOP e obtidas com exclusividade pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI). As reuniões envolveram representantes de 26 órgãos da Esplanada, incluindo os principais ministérios, agências reguladoras, bancos públicos, a Polícia Federal e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência). O CCOP foi criado a partir de um decreto de Bolsonaro logo no início da pandemia, em 24 de março de 2020.
Bolsonaro intervém
Ambas as medicações não estiveram na categoria de medicamentos de controle especial durante toda a pandemia. A nitazoxanida (Anitta) entrou para o grupo de controle especial em abril de 2020 e a ivermectina em julho de 2020.
Em seguida, em agosto, o presidente Bolsonaro afirmou nas suas redes sociais que a Anvisa iria facilitar o acesso à ivermectina e que a população poderia comprar o medicamento “com uma receita simples”, o que se concretizou em setembro, quando a ivermectina e a nitazoxanida foram excluídas da classificação da Anvisa de controle especial, permitindo o reaproveitamento da receita e a compra de mais remédios sem a necessidade de uma nova prescrição, o que resolveu o problema do conflito de interesse citado na reunião da CCOP.
Em outra reunião do CCOP, em 21 de outubro de 2020, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), comandado por Marcos Pontes (atualmente senador pelo PL) informou por meio do seu representante que o MCTI realizou “coletiva de imprensa para promover o estudo clínico ‘Terapia precoce da Nitazoxanida em pacientes com Covid-19’, conhecido também como Annita, que tem a capacidade de reduzir a carga viral do coronavírus”.
A ata indica um link para uma matéria do Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que não está mais disponível, mas que diz que “Estudos comprovam que o vermífugo anitta é eficaz no combate a covid-19”, o que nunca foi provado, ou seja, se trata de uma fake news.
Durante a CPI da Pandemia, senadores acusaram empresas de lucrar milhões de reais com a venda de ivermectina, “à custa de milhares de vidas perdidas para a Covid-19”.
Durante depoimento à CPI em agosto de 2021, Jailton Batista, diretor-executivo da empresa Vitamedic, que produz ivermectina, admitiu que a venda da ivermectina saltou de 2 milhões de unidades de quatro comprimidos em 2019 para 62 milhões em 2020. Somente com a ivermectina, a empresa faturou R$ 15,7 milhões em 2019, número que passou a R$470 milhões em 2020.
No Brasil, a Vitamedic é um dos principais produtores do medicamento, também vendido por outros laboratórios, como Abbott, Legrand e Neo Química. O nome das empresas, no entanto, não é citado nas atas obtidas pela reportagem que sugerem o “conflito de interesse”.
Recentemente, um estudo global publicado na prestigiada revista científica Nature, que ouviu pessoas de 23 países, entre eles o Brasil, mostrou que a ivermectina, ineficaz e contraindicada para o tratamento da covid-19, foi tomada por 79,5% dos participantes brasileiros que tiveram a doença. O levantamento foi conduzido pelo Instituto Global de Saúde de Barcelona (ISGlobal) e ouviu 1 mil participantes de cada um dos países que fizeram parte da amostra.
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