MARCILENE FORECHI

Memórias afetivas de uma capixaba e sua santa madrinha

Minha mãe cresceu em uma família católica. Ela nos contava, a mim e a minhas irmãs, as histórias de quando era jovem e frequentava a igreja na cidadezinha de São José do Calçado, no extremo sul do Espírito Santo. Era Filha de Maria, carregava um cordão em torno do pescoço e uma imagem da santa no peito. Uma vez por semana, rezava o terço com minha avó, que era, na verdade, sua madrinha que havia tomado para si o papel de mãe. Era minha avó que ensinava à minha mãe a devoção por Maria, que costurava seus vestidos e que a levava aos bailes da cidade, nos anos de 1950.

Havia uma devoção da minha mãe por Nossa Senhora da Penha, a representação de Maria no Espírito Santo e que tem no Convento da Penha seu principal monumento. Não sou uma devota, tampouco seguidora de alguma religião. O Convento e Nossa Senhora da Penha, no entanto, são parte da minha história. Quando nasci, minha mãe decidiu que eu seria entregue aos cuidados de Nossa Senhora da Penha e que ela seria minha madrinha.

Fui batizada no Convento, tendo tia Delma e tio Beto como os responsáveis por me segurar enquanto era consagrada à virgem em um ritual de batismo. O ano em que fui batizada foi também o último ano em que se realizaram batismos na capela. Hoje é feriado em todo o Estado do Espírito Santo. Há 10 anos morando no Rio Grande do Sul, fui lembrada da data em uma conversa com Andrea, na noite de domingo, quando ela mencionou que a cidade onde mora, no litoral norte do estado, estava muito movimentada por causa do feriado.

Imediatamente, me veio à memória a imagem da minha mãe e de como ela, em sua devoção, sempre me lembrava do quanto eu tinha sido abençoada por ser afilhada de Nossa Senhora.

Tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1948, o Convento da Penha tem o início de sua história com a chegada do Frei Pedro Palácios à Capitania do Espírito Santo, em 1558. Todo ano, sempre na segunda-feira posterior à Semana Santa, comemora-se o Dia de Nossa Senhora da Penha, padroeira do Estado.

Não me cabe, nem é minha pretensão, questionar feriados dedicados ao cristianismo católico. Isso não me torna alheia, no entanto, à parte da história desse monumento que se manteve por muitos anos com o trabalho de pessoas escravizadas, alugadas de moradores da cidade pelos freis franciscanos.

Essa é a parte da história invisível aos olhos de quem, hoje, participa dos festejos de Nossa Senhora da Penha. A devoção de minha mãe é parte da minha história e da história cultural do Espírito Santo. E nossas memórias são feitas daquilo que lembramos e daquilo que somos levados a esquecer. A festa que hoje acontece no Espírito Santo, em homenagem à sua padroeira, conta, não poderia deixar de contar, também, as histórias de dor e sofrimento que foram apagadas.

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