RAFAEL MARTINELLI

#DasUrnas | O 7 a 1 de Cristian: o ‘povo pelo povo’ escolheu seu ‘prefeito pelo povo’ em Cachoeirinha

Cristian, na enchente de maio, em Cachoeirinha

No #DasUrnas, siga diariamente quem ganhou, quem perdeu, quem empatou e os números e análises da eleição de 2024.


Há uma foto icônica do prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, com uma pá nas mãos e coberto de cinzas, removendo escombros e corpos após duas aeronaves se chocarem contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, deixando 2.753 mortos na Ilha de Manhattan, em 2001.

Guardadas as obvias proporções, a imagem ajuda a ilustrar a reeleição do prefeito de Cachoeirinha Cristian Wasem (MDB) com 47.364 votos (71,86%) – uma das maiores diferenças proporcionais do país nos votos válidos, em relação ao segundo colocado, David Almansa (PT), que recebeu 18.550 votos (28,14%) e tinha como vice o terceiro colocado na eleição suplementar de 2022.

Quando o ‘povo pelo povo’ emergiu da catástrofe de maio, inegável me parece que o eleitor identificou em Cristian um ‘prefeito pelo povo’ – e aqui não sublimo este sentimento de que seja o papel precípio de um prefeito, mesmo o compartilhamento da solidariedade seja necessário, e sim faço uma constatação da realidade.

As imagens foram muitas de um insone Cristian afundado nas águas, dia e noite adentro navegando em barcos, carregando idosa em resgate em meio à enchente e em outras ações de aparente heroismo.

Encarnou bem o sobrenome Medeiros, da esposa Fabi, filha do mais popular prefeito da história de Cachoeirinha, que costumava ter as botas sujas de barro e a gaita empoeirada pelas andanças pelas vilas do município.

Reporta a Agência Pública, em Como os desastres climáticos podem ajudar a eleger prefeitos, que “em desastre, o prefeito de uma cidade afetada declara estado de calamidade pública – um mecanismo que permite o recebimento de dinheiro e perdão de dívidas pelo governo federal, para que possa tomar medidas de emergência. Se isso acontece em ano de votação, os caixas da cidade se enchem e são grandes as chances de as ações de reparo se tornarem visíveis para a população justamente no período próximo à campanha eleitoral. É como se o prefeito estivesse ‘fazendo o seu trabalho’ aos olhos dos munícipes, e por isso merecesse ganhar votos”.

Ah, mas Ary Vanazzy teve a casa submersa até teto, calçou as botas de prefeito-resgatista e perdeu a reeleição. Acontece que o prefeito de São Leopoldo é do PT. Aí resta outro fator de minha análise sobre a tragédia que assolou a oposição após a abertura das urnas.

O conservadorismo – sem questionar as urnas eletrônicas – mostrou sua força na eleição em todo país nas eleições municipais em 2024. Se o PT venceu 5 das últimas 6 eleições para a Presidência da República, e talvez só tenha perdido uma porque Lula estava preso e, principalmente, foi impedido pela justiça eleitoral de fazer campanha, o 2026 se projeta como uma potencial confirmação nas urnas de uma nova hegemonia, de direita, ou extrema direita.

Parece ter chegado a conta da campanha de destruição ideológica da qual é alvo – desde a micro à macro mídia – o Partido dos Trabalhadores. Que, apavorado pelo golpeachment contra Dilma, resta seqüestrado pelo sistema. É descrito como o radical, mesmo que governe envergonhadamente moderado, frente a uma direita tão extremada quanto nunca antes visto na história deste país.

Antipetistas, Sebastião Melo (MDB) e Cristian não foram afogados politicamente pela enchente, mesmo tenham cuidado insuficientemente das casas de bombas – que, tanto aqui, quanto em Porto Alegre, ainda não funcionam plenamente, cinco meses depois da maior enchente da história do Rio Grande do Sul.

Cristian e a esposa Fabi Medeiros, com ao fundo, na parede do gabinete, 1 Coríntios 12:3


Ainda no estouro do dique do ‘anticomunismo’, Cristian sempre foi mais palatável ao ‘Evangelistão’, o país do cada vez mais poderoso voto evangélico, mesmo professe da mesma fé que o adversário; este politicamente atingido de morte por um vídeo divulgado às vésperas da eleição no qual aparecia fumando um cigarro que pela confecção permitia a dúvida sobre ser um baseado de maconha.

Para divulgar seus feitos e atacar os adversários, sempre teve também uma milícia digital, de páginas e páginas simpáticas nas redes antissociais, muitas administradas por comunicadores que ocuparam CCs na Prefeitura.

Cristian também formou a ampla coligação CACHOEIRINHA NO RUMO CERTO (MDB / PP / PSD / PDT / REPUBLICANOS / AVANTE / PODE) que, com o ‘apoio crítico’ do PL de Bolsonaro, reuniu 16 dos 17 vereadores. O único oposicionista era seu adversário à Prefeitura, Almansa.

Obra do assessor especial, todo poderoso no governo e presidente do MDB, André Lima, que conseguiu superar a identificação como o advogado do prefeito cassado Miki Breier (PSB) e se consolidou como principal articulador político de Cristian.  

Fez o controverso André Lima o PL retirar uma candidatura a prefeito aos 53 de segundo tempo, transformando a eleição em um plebiscito, e em um momento em que o governo investia R$ 30 milhões em obras de um financiamento de R$ 80 milhões para infraestrutura – por incrível que pareça, Cristian vai fazer mais obras depois, do que antes da reeleição.

(Aqui cabe um parênteses: presidente do partido do prefeito, ao menos no imaginário de qualquer neófito na cobertura política André Lima já figura como nome para a sucessão, mesmo que o candidato natural seja o vice reeleito, Delegado João Paulo (PP) – outro acerto de Cristian.

A aliança, com políticos e líderes de comunidades, também criou um cinturão de apoio a Cristian que chegou a impedir que o candidato de oposição fizesse campanha em alguns bairros e vilas, na reta final da eleição.

Cristian com o vice reeleito, Delegado João Paulo Martins


Há, ainda, uma característica de Cristian que merece atenção, pela difícil análise. Ainda que protegido durante a campanha, na qual não participou de debates e selecionou sabatinas na mídia amiga ou pixelizada, a imagem do prefeito passou incólume pelo que em municípios do porte de Cachoeirinha teria potencial de escândalo: a Polícia Federal fez operações na Prefeitura e em sua casa, em investigações sobre suspeitas de corrupção.

Mais: mesmo não tenha corrido do repórter como a gente já viu suspeitos fazerem no Fantástico, Cristian foi alvo de reportagem-denúncia de Giovani Grizzoti, anunciada na voz de Elói Zorzetto no RBS Notícias, por suposto superfaturamento de cestas básicas durante o período mais sensível da população gaúcha.

Nada colou. Cristian provou ser ‘político teflon’.

Ao fim, com uma votação de 7 a cada 10 votos válidos, Cristian começará o segundo mandato com uma força descomunal, que pode usar para livrar a realidade factual de todo prefeito de Cachoeirinha ser refém da ‘República de Vereadores’.

Agora, com uma chancela popular ainda maior que na eleição suplementar de 2022, tem o prefeito quatro anos pela frente – do primeiro ao último dia. É a chance de, gigante nas urnas, exercer seu governo. Com expectativas que incontestavelmente exigirão muito mais dele. Com as contas em estado de alerta, sua capacidade para vestir as botas de gestor estão a teste.

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