A cogestão está suspensa e a bandeira preta mantida em Gravataí, Cachoeirinha e todo Rio Grande do Sul por decisão de Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, no final da noite desta sexta-feira.
Reputo irrepreensível o despacho porque o juiz negou o pedido de lockdown de 14 dias, para não substituir o poder do governador, mas simplesmente pediu que Eduardo Leite apresente indicadores que permitam a flexibilização em um cenário de caos hospitalar.
A decisão mantém as regras atuais e proíbe a liberação de atividades no comércio, nos restaurantes e em outras funções, como salões de beleza, anunciadas ontem em live. A Procuradoria Geral do Estado tem 72h para prestar informações que justifiquem uma reabertura de atividades.
A ação civil pública foi impetrada por vários sindicatos do Estado, como o Cpers-Sindicato, que representa os professores das escolas estaduais, o Sindicato dos Municipários (Simpa), o Sindisaúde, que representa os profissionais de saúde, e centrais sindicais, como a CUT e a Intersindical.
Além dos dados que mostram a superlotação de leitos e UTIs, os autores da ação usaram como base audiência pública da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa onde gestores presentes – incluindo a Santa Casa – unanimemente alertaram que há muita preocupação, pois “o risco de falta de medicamentos e de oxigênio alarma dirigentes de hospitais do Rio Grande do Sul”.
O juiz observa que “pela natureza da demanda, é caso de colher informações preliminares ao Governo do Estado para subsidiar uma melhor análise do pedido liminar”, mas “é pública e notória a situação de caos nas redes pública e privada de saúde do nosso Estado, que se encontram sem condições de assegurar um atendimento minimamente adequado à população, seja em relação aos enfermos pela COVID-19, assim como por qualquer outra enfermidade que reclame tratamento hospitalar com brevidade, sob risco de dano à saúde do paciente”.
O juiz cita dados da sexta que mostram que 239 pessoas aguardam por leito de UTI apenas em Porto Alegre, que se encontra com 114,12% de lotação dos seus leitos de UTI, e, segundo o monitoramento de ocupação de leitos públicos e privados de UTI do Governo do Estado, neste momento, existem no RS 3.606 pacientes internados, mesmo existindo apenas 3.261 leitos de UTI, “ou seja, a taxa de ocupação está em 110,57%”.
Entende o juiz que na live em que explicou o novo modelo de cogestão, na noite desta sexta, o próprio governador reconheceu que o momento é muito crítico, com risco alto de transmissão do vírus e muita dificuldade no setor hospitalar e relatou que visitou vários hospitais e todos profissionais da área da saúde e dirigentes dos hospitais entendem que manter as restrições de circulação são essenciais e importantes.
O juiz observa que Leite admitiu, ainda, que do ponto de vista estritamente sanitário, estão os profissionais da área da saúde com toda a razão. Mas, que do ponto de vista da economia, não do grande empresariado, mas da economia das famílias, que já estão exauridas em suas condições de sobrevivência impõe-se o retorno à cogestão com os municípios, para que as prefeituras, em conjunto, atendendo as suas peculiaridades regionais, estabeleçam flexibilizações que sejam menos restritivas do que as estabelecidas na bandeira preta estadual.
– Ocorre que é sabido, como se vê todos os dias nos meios de comunicação, inúmeros municípios, onde os prefeitos querem privilegiar a economia em detrimento das medidas sanitárias preventivas para a contenção da disseminação do vírus, há grande tolerância com o descumprimento dos protocolos mínimos de prevenção. Negar esta realidade, é fazer de conta que tal não acontece – alertou o juiz, acrescentando:
– O momento, como dizem todas as autoridades médicas, gestores de hospitalares, infectologistas, sanitaristas e cientistas que estudam e trabalham com a pandemia, exige total foco no combate à disseminação viral. Só assim haverá a diminuição da contaminação e a cessação das mutações do vírus, circunstância que só agrava o quadro de adoecimento da população. Além de ser a única forma de dar alguma condição do sistema de saúde ganhar um fôlego para atender o número de doentes graves que só aumenta.
– A manutenção das restrições severas de circulação, é o único meio de obter-se uma melhora sanitária de caráter mais geral – decide.
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A argumentação é a mesma que usei nesta sexta no artigo Gravataí e Cachoeirinha: comércio que reabre segunda também tem culpa na COVID; Freud explica.
– Convençam do contrário a mim e aos 71% que, conforme o Datafolha, já defendem um lockdown de verdade para evitar que pessoas queridas morram sufocadas em casa, em ambulâncias ou em cadeiras esperando leitos de UTI – escrevi na tarde de ontem.
É o que pede o juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre.
As palavras a seguir são dele, não minhas:
– É falso o dilema de que fazer a economia ter uma retomada é o melhor caminho. As pessoas só conseguem sobrevir com um mínimo de dignidade se estiverem vivas ou sem estarem adoecidas e sem condições de trabalhar. Na verdade, a existência de segurança sanitária é que permitirá que os cidadãos refaçam suas vidas, inclusive econômica.
Ao fim, a ‘ideologia dos números’ é arrasadora e estes inimagináveis tempos são de guerra. Ninguém defende lockdown por gosto.
Trecho da canção Apenas Um Rapaz Latino-americano, do Belchior, não sai de minha cabeça.
Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve
Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas
E eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém
Mas não se preocupe meu amigo
Com os horrores que eu lhe digo
Isso é somente uma canção
A vida realmente é diferente
Quer dizer
Ao vivo é muito pior
E eu sou apenas um rapaz latino-americano
Sem dinheiro no banco
Por favor não saque a arma no saloon
Eu sou apenas o cantor
Mas se depois de cantar
Você ainda quiser me atirar
Mate-me logo à tarde, às três
Que à noite tenho um compromisso e não posso faltar
Por causa de vocês
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