Nando Rocha é de Gravataí, está morando em Portugal e, devido à pandemia, ainda não conseguiu visitar a família. Vôos vindos do Brasil estão restritos. O Seguinte: pediu um artigo e o jornalista enviou.
Sou de Gravataí. Moro em Portugal há dois anos e meio. Vim com a família para fazer um Mestrado, acabei ficando para o Doutorado, comecei a trabalhar, estabelecemos raízes. Neste período, não consegui retornar e visitar a minha família no Brasil. Quando estava prestes a ver os meus pais, veio a pandemia. E, desde então, invariavelmente, todos os dias acordo com a esperança de eles não estarem infectados.
O meu Facebook virou um obituário. Sinto-me vagando virtualmente por um imenso mural de despedidas a torcer para não encontrar a lápide de um familiar. E tudo isso do outro lado do oceano. Eu não posso cuidar de ninguém, puxar a orelha, alertar, conscientizar, acompanhar e, se algo acontecer, tampouco viajar. Sinto-me ilhado num arquipélago de lágrimas e perdas.
Há um ano a pandemia chegava forte aqui. Do jeito que consegui, pelas redes sociais, alertava sobre os riscos de transmissão de um vírus traiçoeiro. Primeiro, vi gente duvidando. Depois, não havia mais como negar, passaram a questionar a sua letalidade. Passo seguinte, começaram a negar a eficácia das vacinas. Numa corrida contra o tempo, apenas oro, sofro e torço para que os meus familiares estejam imunes quando o Covid bater à porta.
Tenho amigos retidos no Brasil sem poder retornar à sua vida normal. À sua casa, rotina, trabalho, estudos. Pelo menos até o fim deste mês, o Governo português segue com a proibição de voos diretos vindos do Brasil. Somos em torno de 150 mil brasileiros vivendo em Portugal, que acompanham de longe, atônitos e de mãos atadas, as suas famílias serem dilaceradas pela dor e pelo medo.
O Covid saiu dos noticiários, chegou às nossas casas, transbordou os hospitais, fechou as fronteiras. Tira o sono de quem não tirou a vida. Tirou-me o direito de ver a minha família. O direito de muitos irmãos brasileiros em viajar e se despedir. Se cuidar não é um ato individual, mas coletivo. De respeito ao próximo. De amor aos seus. Você tem o direito de não zelar pela sua própria vida, mas mantenha os meus pais vivos. Eu estou com saudade e ainda quero poder abraçá-los.
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