Moisés Mendes

As carreatas da morte

Os participantes de cortejos macabros que abalam cidades do Interior querem mais do que comércio aberto. Eles desejam mesmo a volta dos horrores da ditadura.

As carreatas são a vitrine de ostentação de caminhonetes gigantes de empresários, fazendeiros e granjeiros bolsonaristas.

O fascismo que se alastra e se torna mais exibicionista é o tema do meu texto no Extra Classe.

Segue na íntegra:

Uma carreata em Porto Alegre, com buzinaços pró-Bolsonaro e pró-golpe, com a desculpa de que é pró-comércio, pode ser mais um grande fiasco do que uma manifestação de egoístas sem escrúpulos.

Mas uma carreata em uma cidade pequena do Interior é um estrago. É a moda da extrema direita nas cidades gaúchas. Juntam comerciantes, levam comerciários à força, engrossam o grupo com fazendeiros e granjeiros, e a carreata sai garbosa.

A carreata é a manifestação pública da prepotência e do individualismo que um dia se transformam em fascismo. É uma violência nem sempre disfarçada movendo o desejo de abrir tudo, em nome das liberdades, da economia, dos empregos e, no caso gaúcho, dos ataques às medidas restritivas do governador Eduardo Leite.

Países em que a racionalidade prevaleceu, com restrições à circulação de pessoas e rapidez na vacinação, já estão com suas economias em recuperação.

No Brasil, há mais do que irracionalidade. As carretas são a tentativa de imposição dos interesses dos que se consideram as elites das cidades. Elite econômica, social, religiosa e até cultural.

O sujeito que sai em carreata se considera acima das preocupações coletivas. O bolsonarismo é um fenômeno do Interior. Há nas carreatas a ostentação de caminhonetes gigantes e a associação de dinheiro a patriotismo, família, propriedade e religião.

Os carrões das carreatas da direita são mais do que os cavalos dos ricos nos desfiles do 20 de Setembro. Em Alegrete, cidade da Fronteira gaúcha com transgressores históricos na política, na literatura e nas artes, o reacionarismo das carreatas virou a exposição do poder de quem tem o maior (não o melhor) carro, com os maiores pneus e os maiores espelhos.

No domingo pela manhã, morreu o pecuarista, jornalista e escritor Maurício Goldemberg, uma figura respeitada de Alegrete. À tarde, saíram em carreata contra as restrições impostas pela pandemia e em defesa de Bolsonaro.

Já morreram 102 pessoas em Alegrete. Em dois dias, morreram 13. Com um dos mais altos índices de mortes por covid-19 do Estado, essa é também uma das cidades com as carreatas mais barulhentas.

Em Porto Alegre, a carreata de domingo fez buzinaço diante do Hospital Ernesto Dornelles. É como se o fascismo estivesse dando ordens para que os doentes levantassem e andassem.

Mas o frequentador de carreatas não é apenas o outro, ou o conhecido que faz o que consideramos abominável. O sujeito que participa de cortejos macabros é também nosso parente, amigo, colega de trabalho, vizinho.

O gritão das carreatas é parente de servidores da saúde. Enquanto ele grita, alguém muito próximo, exausto e quase sem forças, continua salvando vidas em UTIs sem vagas, sem oxigênio e sem medicamentos.

O insensível das carreatas (sempre com a participação de muitas mulheres) é o cara aquele que até 2016, quando a Globo articulou o golpe, era apenas um tucano saudoso da ditadura.

Bolsonaro deu a senha para que essa classe média potencializasse seu poder de destruição, de ódio, de ressentimento e de vingança.

O gritão das carreatas é um fascista que sempre esteve por perto, muitas vezes reprimido, à espera do momento certo para se apresentar como novo poder político.

Ele não quer apenas que abram tudo, que comam, bebam e cheirem cloroquina e que aplaudam o genocídio de Bolsonaro. Ele quer ditadura. Alguns talvez não queiram. Alguns.

O participante dos desfiles com a bandeira do Brasil e camiseta da Seleção não respeita os mortos e tenta impor seus desvarios aos vivos.

Bolsonaro deu voz e armas a monstros que vivem ao nosso lado, ou teriam sido os monstros os criadores de Bolsonaro?

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