coluna do silvio

Crônicas Anacrônicas de um professor em tempos de COVID

Diferente do maluco que deu uma entrevista dizendo que professor não trabalha, nossa rotina é tentar harmonizar o nosso caos, ou ao menos conviver com ele. Em tempos normais isto já significa ter que dar aula durante um turno, sendo que boa parte dos professores dão aula em dois turnos e alguns (fiz isto durante o tempo que tinha saúde), três turnos. Só que sair da sala de aula não faz a aula sair do professor. É necessário criar cada aula, colocar no papel o que se pretende dar, e depois da aula dada é necessário registrar o que realmente se deu, então é necessário corrigir o que os alunos entregaram, decifrando caligrafias que deixariam qualquer médico com vergonha.

Se fosse apenas “uma” turma de “um” conteúdo isto seria apenas cansativo, mas tenho sete turmas diferentes e trabalho com quatro disciplinas diferentes, então nada de aproveitar conteúdo de uma para outra, ou algo assim. Sem esquecer os alunos de inclusão que precisam de uma atenção e de material diferenciado.

Em tempos "normais" a vida de um professor é bastante complicada, mas não são tempos normais.

Estamos em tempos de COVID, e isto significa que tudo isto comentei precisou ser modificado de ontem para hoje. Eu não tenho nada contra aulas à distância, acho realmente que é um sistema importante, mas a situação é diferente, pois em uma aula EAD tradicional o conteúdo é criado para ser trabalhado em casa, as avaliações consideram o fato de que o aluno tem todo o conteúdo à disposição, e os alunos optam por este sistema sabendo o que os espera. Só que nenhum destes fatores existia até ontem (ontem metafórico). Nenhum dos nossos alunos estava preparado para isto, e nem os professores estavam! Muitos deles sequer tinham alguma intimidade com as novas tecnologias.

As aulas tiveram de ser adaptadas, mas em "que momento" isto aconteceu? Provavelmente no momento em que o maluco lá do início do texto estava descansando em seu horário de almoço, ou depois do seu dia de trabalho, no seu final de semana. Só que para os professores, horário de almoço é horário útil, e "depois do dia de trabalho" significa a hora que seu corpo não aguenta mais ficar sentado na frente do computador, quando vai dormir com peso na consciência por saber que deve acumular um pouco mais o atraso. Final de semana tem sido uma alegria para o professor, mas não porque chegou a hora de descansar, e sim porque é o momento em que conseguimos buscar parte do atraso.

Isolamento social? Os professores estão obedecendo sem nem perceber, pois não há como sair para nada, você sai e fica pensando em quantas provas poderia estar corrigindo com uma hora fora, em quantos planos de aula poderia atualizar e que isso vai fazer falta.

Sentado aqui na frente do computador enquanto digito esta pequena crônica, uma forma de ocupar a cabeça com algo diferente, clico em atualizar o sistema de mensagens da escola com certo pânico, sempre tem mensagem, e pode ser que eu tenha cometido algum erro, confundido os nomes de algum dos alunos que tem o mesmo nome um do outro, que tenho e colocado a nota de um para o outro, porque quando um professor erra, outro coala morre na Austrália, ou algo ainda pior.

Os dias viram noites, as noites viram dias de tal forma que facilmente perdemos a noção do tempo. Semana passada eu estava tranquilamente "aproveitando" meu sábado corrigindo trabalhos quando minha mãe entra no quarto e pergunta porque não estou em videoaula com os alunos pois já passava das dez, eu disse que não tinha aula, era sábado, e ela disse: Não, hoje é sexta! Pensa em um buraco escuro se abrindo no chão, um gelo cravando o estômago que foi lavado com bílis, e os olhos ficando escuros nas bordas, enquanto girava a cadeira e acionava o computador, o cérebro a mil, explicações, como direi, o que direi, para quem direi, então olho para o relógio do computador que confirma, é sábado sim. 

Mãe de professor pira junto com o professor…

 

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