Reputo acertam o prefeito Luiz Zaffalon (MDB) e o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí ao fugir da simples ‘tentação de proibir’, ao analisar a ‘guerra da água’ no rio, que teve mais uma batalha na região, neste fim de semana, inclusive com bombas lacradas em fazendas que usam o manancial como insumo para produzir arroz.
Há saídas, em obras e regramentos; só precisam ser aplicadas pelo Estado, o responsável pelos recursos hídricos, não só aqui, mas nas outras 27 bacias do Rio Grande do Sul.
Só subir num caixote e fulanizar vilões e mocinhos não traz água para a torneira da dona Maria e do seu João. E nem comida na mesa.
– A luta está difícil, mas a crise mostrou que o rio pode resistir se houver colaboração de todos e, muito mais que fiscalização, solidariedade nas épocas de seca. Além de obras do Governo do Estado – disse Zaffa ao Seguinte:, após operação durante todo sábado, na qual a equipe da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Sustentabilidade e Bem-Estar Animal e a Patrulha Ambiental da Guarda Municipal levaram técnicos da Corsan para investigar locais com captação irregular nos 34 quilômetros de extensão daquele que é o menor dos cinco rios que deságuam no Lago Guaíba, mas responsável pelo abastecimento de cerca de 1 milhão de pessoas.
Conforme informações repassadas ao prefeito, que já fez sua parte editando decreto que, após reincidência, prevê multas para pessoas jurídicas e físicas em caso de desperdício de água, uma das fazendas que respondem pela maior produção de arroz no Vale do Gravataí teve bombas de captação lacradas e o produtor precisará prestar mais esclarecimentos.
Se comprovadas irregularidades, o arrozeiro pode ser multado e ter até a licença de captação cassada. O caso está sendo apurado pelo Departamento de Recursos Hídricos (DRH) do Governo do Estado.
– Só essa fazenda sozinha capta até 5 vezes mais do que a Corsan nesta época – compara Zaffa.
O desastre é que o Rio Gravataí, que abastece também de Cachoeirinha, Viamão, Santo Antônio da Patrulha e Glorinha, estava no nível zero, na sexta-feira.
Analisei a crise – e a primeira fase das obras emergenciais da Corsan, concluídas na sexta-feira com uma espécie de barragem no Mato Alto – no artigo mais recente SEGUINTE TV | Rio no nível zero: Corsan faz ‘barragem’ emergencial no Mato Alto para garantir água para Gravataí durante o verão; Assista, que traz links relacionados.
De acordo com as regras definidas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), quando a medição fica abaixo de 0,50 metro é determinado estado crítico e a retirada de água fica suspensa para todas as finalidades, exceto para a distribuição ao consumidor.
Quando o nível está acima de 0,80 metro, é definido estado de atenção e a captação de água acontece normalmente, mediante monitoramento permanente. Abaixo dessa marca, começa o estado de alerta, tornando intermitente a possibilidade de captação para irrigação e outras finalidades que não sejam o abastecimento para o consumo humano.
Proibido proibir
Por que, então, não proibir toda captação durante o verão, onde Gravataí se torna ‘capital da falta de água’ na região?
Acontece que a atividade arrozeira tem sua ‘estação’ entre outubro e abril, o que coincide com o auge do consumo humano.
Para efeitos de comparação, os arrozeiros gaúchos, que inundam mais de um milhão de hectares, produzem quase 10 milhões de toneladas de arroz. É um volume que atende a dois terços do consumo nacional, de cerca de 40 quilos por pessoa.
O Instituto Riograndense do Arroz (Irga) orienta que, para racionalização do uso, arrozeiros priorizem reter a água dentro das propriedades. Dados do Irga apontam que há 30 anos eram gastos 4.000 litros de água para produzir 1 quilo de arroz. Hoje o consumo é de 1.000 litros por quilo.
E, se nos últimos 50 anos o Rio Grande aumentou a produção em mais de 10 vezes, o cultivo poderia crescer ainda mais, em 3 milhões de hectares já estruturados para a irrigação – o que não acontece pela falta de água.
A obra-troco
Ok, são mocinhos então? Não. Só não são os únicos responsáveis, apesar da fazenda denunciada na operação de sábado já ter cerca de meio milhão de multas.
A (nem tão grande assim) grande obra para enfrentar a falta de água são 13 microbarragens no Rio Gravataí.
A Metroplan (Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional) tem recursos destinados, mas desde 2018 não conclui o estudo de impacto ambiental (EIA/Rima), para o qual a empresa Ecossis Soluções Ambientais venceu o processo licitatório por R$ 400 mil. Os R$ 5 milhões para a obra já eram previstos em 2012, no PAC da Prevenção.
– O problema da nossa bacia não é a falta de chuva e sim de represamento da água – resume o geólogo Sérgio Cardoso, que também alerta para algo tão impactante quanto: a falta de aplicação de planos de gerenciamento nas 28 bacias gaúchas.
– Cada bacia tem diferentes necessidades. Temos nosso plano, mas é preciso o Estado aplicar. Não somos um órgão executivo – observa, sobre as propostas elaboradas ao longo das últimas duas décadas.
Ainda aguarda a caneta do governador Eduardo Leite (PSDB) um Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande, com determinações sobre os usos e atividades, limitações, focos de preservação e ameaças serão concretas e terão peso sobre os planejamentos dos municípios de Gravataí, Viamão, Glorinha e Santo Antônio da Patrulha e as possibilidades de licenciamentos de atividades na região.
Há, inclusive, a projeção de cobrança captação e utilização da água por diferentes atividades econômicas, como já tratei em Custa centavos o ‘milagre’ para salvar o Rio Gravataí; A cobrança da água.
Para se ter uma ideia da importância: a APA do Banhado Grande tem 136,9 mil hectares e ocupa 66% da área da Bacia Hidrográfica do Gravataí.
É a maior APA do RS, guardando, entre quatro municípios, os conjuntos remanescentes de banhados Grande, Chico Lomã e dos Pachecos (onde fica o refúgio de vida silvestre), a Coxilha das Lombas e as nascentes do Rio Gravataí.
A unidade de conservação foi criada em 1998, e desde então, tinha estabelecida como uma necessidade para sua concretização a elaboração do Plano de Manejo.
De Leite, a água
Ao fim, associo-me às análises e alertas de Zaffa e Cardoso: é preciso fiscalização e solidariedade para salvar o rio Gravataí; mas, principalmente, regras estabelecidas e cumpridas, além da obra das 13 microbarragens, parada no Governo do Estado, e hoje praticamente um consenso entre técnicos e ambientalistas como salvação para um rio raso, típico de planície.
Não dá para esquecer de lembrar também que, para a salvação do rio, o lodo dos arrozeiros – que provocou um desastre no abastecimento de Gravataí, em 2017, com turbidez fora do comum mesmo para um curso d’água classificado como nível 4, o pior da escala de poluição hídrica, o que fez a Corsan gastar meio milhão de reais para acelerar quimicamente o clareamento da água – tem um concorrente coliformes fecais à frente como poluidor: o esgoto doméstico, tratado para, em média, apenas 3 a cada 10 pessoas.
Desconfio ninguém está cuidando disso, enquanto a privatização está parada no tapetão, como detalhei em O porquê da pressa para privatizar a Corsan em 2022; A água e o esgoto no tapetão.
Fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos, é que se Leite quiser, água não vai faltar, caso as barragens sejam feitas.
Os R$ 5 milhões são troco na relação com os impactos econômicos e sociais da falta de água anual.
Assista como é a obra de barramento emergencial da Corsan