Impopular e inevitável. ‘A pauta-bomba de Gravataí’. As 4h30 da audiência pública promovida nesta segunda pela Câmara, com Prefeitura e Sogil, confirmaram o acidente político que é para governo e vereadores a votação do PL 26/2021, que autoriza subsídio de R$ 5 milhões para o transporte coletivo para indenizar perdas da pandemia e manter as passagens das linhas municipais congeladas em R$ 4,80. CLIQUE AQUI para ler a íntegra do projeto e a justificativa.
– Pode ser uma manifestação simplória, mas o sentimento da população é de total rejeição nas redes sociais, já que todos estão em sofrimento com a pandemia – resumiu bem José Rosa, presidente do Sindilojas e um dos convidados a participar da videoconferência.
Só que, mesmo que as redes sejam um termômetro, e tenham influência sobre os políticos, há um prefeito e vereadores eleitos para governar e legislar. A responsabilidade está com eles. Luiz Zaffalon (MDB) enviou o projeto, que já tem 20 emendas, e os 21 parlamentares tem mais 30 dias para votar, como tratei em artigos como Socorro milionário ao transporte público de Gravataí: a responsabilidade dos vereadores e o sincericídio de Zaffa.
O dilema coloca-os frente à uma ‘Escolha de Sofia’: ou o subsídio milionário para manter a operação do transporte público como está, com tarifa nos mesmos R$ 4,80 de 2020, ou decretar um aumento de passagem para R$ 6,80.
Para além da escolha entre Jan e Eva, só restará o Judiciário, a quem o vereador Cláudio Ávila (PSD) vai recorrer com base em erros que listou em parecer contrário que apresentou à Comissão de Finanças e Orçamento e você lê CLIQUE AQUI.
É o mesmo caminho que seguirá a concessionária caso o PL não seja aprovado, como ficou evidente na manifestação do diretor-geral da Sogil, Fabiano Rocha Izabel, que lembrou a previsão desde a licitação de que o poder concedente, ou seja, a Prefeitura, mantenha o equilíbrio financeiro do contrato – seja com subsídio, reajuste de tarifa ou mágica.
Na bateria de perguntas, a bancada do PSD, partido de Dimas Costa, segundo colocado na eleição de 2020, foi a mais contundente.
– Não estou interessado na Europa e sim em Gravataí – Ávila interrompeu o diretor da Sogil, que falava sobre subsídios de até 74% ao transporte coletivo em países do primeiro mundo.
– É um acordo vergonhoso, no qual só ganha a Sogil, que faturou bilhões nos 67 anos que está em Gravataí – atacou, reclamando que preciso fazer o parecer sem ter em mãos o contrato, indisponível no Portal Transparência.
– Já é a passagem mais cara da Região Metropolitana. Vamos dar R$ 5 milhões para a Sogil? Se o problema vem desde 2020, não quiseram tratar no ano eleitoral? – cobrou Bombeiro Batista.
– O secretário (Adão Castro, de Mobilidade Urbana) trabalha pelos interesses da Sogil, ou pelo interesse público? As falas se confundem e usam até os mesmos slides na apresentação – instigou Anna Beatriz da Silva.
Do lado do governo, respostas vieram.
– Só vejo críticas e não alternativas – resumiu Alex Peixe (PTB).
– Em Gravataí tudo é GreNal. Pela Lei da Mobilidade podemos e devemos subsidiar o transporte público, como se faz com o SUS, um direito do cidadão. É simplório falar que estamos dando dinheiro para Sogil. Temos que avançar para mais subsídios e tarifa zero, o que ajuda a população e atrai investimentos – propôs Alison Silva (MDB), líder do governo na Câmara.
– O sistema como está não se sustenta. Sou engenheiro e me baseio em números, não em boa lábia – completou.
– Não sou fiscal de cofre de empresa e não me preocupa o lucro. Quero saber quanto o usuário vai pagar quando subir no ônibus. Alguns caça-cliques tentam vulgarizar o debate como se déssemos dinheiro para empresa. Estamos é subsidiando a passagem para o usuário – disse Paulo Silveira (PSB).
– Temos que resolver o que passou e rever o modelo. Temos que aumentar subsídio até tarifa zero. Nos momentos de crise quem apara as pessoas é o poder público – acrescentou.
– É ignorância dizer que o subsídio ao transporte público é “dar dinheiro à Sogil”. A vida inteira peguei enlatados dessa empresa que pensa pouco na população. Mas é preciso fazer política com responsabilidade: há um contrato que precisa ser cumprido. Temos que arcar com isso. Não adianta fazer populismo e passar para frente para outro governo pagar – disse Fernando Deadpool (DEM).
O ‘independente’ Dilamar Soares (PDT) fez uma previsão, lembrando, sem nominar, decisões dos governos Daniel Bordignon, Sérgio Stasinski e Marco Alba:
– A concorrência começou em 2004 e, após disputa entre duas empresas, em 2006 a Justiça deu ganho de causa à Sogil, num contrato que permitia ser prorrogado por 10 anos por decreto. Foi o que fez o prefeito em 2015. Em 2024 será o debate da eleição: a nova licitação do transporte coletivo que será feita em 2026.
– Sobre o PL 26, não me interessa se for bom moço ou vilão. Só não quero que meu voto vire uma questão judicial para ser paga daqui a 10 anos – complementou.
Por parte dos convidados, os apontamentos mais polêmicos vieram de Devit Dimitrios, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
– Fala-se em homologação pelo Judiciário, mas se trata do Cejusc (Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos), um experimento novo, para pequenas causas, e não para uma questão de R$ 5 milhões. Não houve a participação do Ministério Público. Não é um acordo judicial – disse, acrescentando também que é preciso avaliar se a pandemia é suficiente para obrigar a Prefeitura a indenizar a Sogil.
CLIQUE AQUI para ler a íntegra do acordo no Cejusc.
O esclarecimento veio do secretário de Mobilidade Adão Castro:
– O Cejusc tem chancela da juíza coordenadora Dulce Ana Gomes Oppitz e do Tribunal de Justiça. Vários municípios estão usando essa mediação. Em Porto Alegre o subsídio de R$ 100 milhões foi negociado assim. Garantir o equilíbrio financeiro em contratos de concessão é uma obrigação constitucional da Prefeitura.
Registrando o alto nível da audiência pública conduzida pelo presidente do Legislativo Alan Vieira (MDB), reputo como perguntas mais importantes, técnica e socialmente, as feitas pela vereadora Anna Beatriz e pelo vereador Thiago De Leon (PDT), sobre o congelamento das passagens, a garantia de empregos, o valor da passagem, caso o PL não seja aprovado, e também sobre qual vantagem obteve o município na negociação.
O secretário Adão informou que uma mensagem retificativa ao PL enviada pelo governo acrescenta a garantia do congelamento da passagem.
E o diretor da Sogil disse que não havia óbice da empresa em manter os colaboradores, já que não conta mais com cobradores nas linhas municipais.
Já a tarifa, sem o subsídio, subiria dos atuais R$ 4,80 para R$ 6,30, conforme projeção do secretário.
– O último cálculo tarifário apontou R$ 7,22. Sem o corte de cobradores, seria R$ 8,33. Com a redução da frota e a isenção do ISSQN e da taxa de gerenciamento, ficaria em R$ 6,36. A compra de passagens para desempregados busca trazer mais pessoas para o transporte coletivo e manter a passagem em R$ 4,80. É também um benefício a quem emprega, já que 94% é custeado pelo VT – explicou Adão Castro, projetando que, com o avanço da vacinação contra a COVID-19 e a flexibilização do distanciamento social o número de passageiros aumente.
Eram 370 mil pagantes mensais em 2019 e hoje caiu para 150 mil/mês.
A vantagem, conforme o diretor da Sogil, foi o acerto com uma redução de 23% na indenização que era calculada pela Sogil, além do parcelamento em 20 vezes:
– E já suportamos os 12 meses anteriores.
Importante registrar também que o secretário confirmou que o PL 26 não trata de aplicativos, como Uber, e nem do transporte escolar, apesar de, no acordo firmado com a Sogil, a Prefeitura ter se comprometido a estudar as pautas:
– Os APPs fazem uma concorrência desleal com o transporte público. É uma conta que virá no futuro.
Ao fim, estamos diante de uma ‘pauta-bomba’, impopular e inevitável. A aprovação do PL não deixa de ser uma institucionalização do subsídio ao transporte público em Gravataí, já que com uma pandemia que nunca termina, vacinação a conta gotas e um abre-e-fecha das atividades econômicas, será necessário socorro também em 2022.
Toda luta “contra os poderosos” é sedutora. Não por gosto tenho avalizado o subsídio que, no imaginário, vai cair na conta ‘dos Sogil’, empresa cujos sócios estão entre os mais ricos da aldeia e tem executivos com altos salários, carrões e viagens internacionais. Mas na realidade é um dinheiro público para o público. Aquele que não tem como pagar R$ 6,33 de tarifa, ou já sem fôlego com a pandemia vai gastar mais pelo VT de seus funcionários.
Ninguém me convenceu do contrário, ainda.
Assista à íntegra da audiência pública e tire suas conclusões
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