Cidade, poeta, músico e colunista do Seguinte:, entrevista Carlos Zanettini, artista que lança novo álbum neste sábado, gravado, produzido e arranjado por Rodrigo Souto, artista falecido em 2018
Zanettini é um artista corajoso. É o narciso que todos nós amamos. Um dândi afetuoso na direção oposta ao senso comum das boas pessoas, que não são lá muito boas microscopicamente olhando, lança o belo disco chamado RECONECTAR.
Leiam a entrevista, é sobre amor, afeto e arte.
Cidade – Reconectar, religar-se, é o conceito de religião. A arte é um meio mais amplo de religar-se a algo transcendental?
Zanettini – As pessoas têm idéias muito diferentes sobre o significado de arte. Há quem diga que ela não tem significado algum e eu concordo em parte com isso, porque as coisas não têm um valor em si, elas simplesmente SÃO e cabe a cada pessoa processá-la por si mesma, de preferência sem interferências externas. Para mim, assim como a religião, é uma forma de acessarmos a matéria escura; então sim, de certa forma, podemos dizer que é uma catarse, uma forma de buscar o transcendental, já que infelizmente perdemos a capacidade de perceber a magia nas coisas triviais do dia-a-dia. Você pode ser criativo e atingir êxtases carimbando papéis, por exemplo.
Cidade – Teu trabalho novo, Reconectar, foi gravado com o Rodrigo Souto (também EX), que partiu há pouco, deixando um vazio entre nós. Tu podes comentar quanto foi especial essa parceria?
Zanettini – Ainda é um assunto bastante delicado para mim. Apesar de todas as composições serem minhas, eu não consigo conceber “Reconectar” sem a produção e arranjos do Souto, que foi uma pessoa muito determinante nos últimos 3 anos da minha vida. As coisas que ele fez pela minha música e pela minha alma não podem ser ditas em palavras; é um assunto tão profundo que às vezes eu acho que não sou nem capaz de falar a respeito. Mais do que um grande amigo e uma grande pessoa, imensamente generosa, eu acho que é preciso ser dito o quanto ele foi importante para a música. Ele tocou com praticamente todo mundo e foi uma peça importante para entender a “cena” – ou seja lá o que isso signifique – de Porto Alegre e redondezas. E que artista brilhante ele é! Eu me recuso a dizer “foi”. O Souto compreendia música como poucos porque compreendia as pessoas como poucos. Quando eu toquei a faixa-título desse disco para ele, nós ficamos em silêncio por alguns minutos e logo ele veio com essa idéia dos drones, o que dava toda uma dimensão espectral à música. Isso é apenas um exemplo da extrema sensibilidade dele, o que refletia na música. Eu não carrego tristeza ou revolta por ele ter partido tão cedo e talvez essa aceitação venha do fato de que eu ainda o sinto muito presente. E lançar esse disco é parte desse processo, ao menos para mim. Eu pensei em engavetá-lo e em vários momentos achei que não seria capaz de lidar com a demanda emocional que isso traz. Mas daí tive a consciência de que talvez seja essa a função da arte, que você referiu na primeira pergunta: eternizar pessoas, momentos, situações, circunstâncias. Porque tudo isso vai passar. E rápido.
Cidade – Porque será que as pessoas temem tanto assumir suas tristezas, inseguranças, vulgaridades, preferindo ostentar uma vida de pantomina?
Zanettini – Eu não sei e honestamente não me importa. O problema é totalmente delas. Eu prefiro ser “autêntico” porque simplesmente não sei ser de outra forma. E mesmo dentro dessa “autenticidade” existe um jogo de espelhos meio perverso, porque não deixa de ser uma maneira de ser reativo ao mundo e às circunstâncias. E eu não posso deixar o mundo ditar o que eu sou e o que eu não sou. Ninguém tem esse direito! Tudo que eu quero na vida é deixar de ser reativo, tanto quanto eu consiga ser. Daí eu acho que estou sendo bem sucedido, de forma geral, mas sempre existe aquela voz interna que diz que eu não sou nada, o que também é verdade. O grande paradoxo é esse: sou absolutamente irrelevante mas sou tudo o que eu tenho.
Cidade – O Brasil atual te assusta?
Zanettini – Sempre me assustou. Mas tenho ojeriza à idéia de fazer coro com a inteligência que detesta a atual conjuntura. Quando a conversa gira em torno de “ter a razão”, eu já perco completamente o interesse. Toda pessoa é complexa, é um universo em si, e eu não acredito que ninguém seja rigorosamente coisa alguma. E eu acho que a pós-modernidade – ou seja lá o que os acadêmicos chamam isso – escancarou isso de uma forma com a qual ninguém estava preparado para lidar. Só que, talvez por ter sido um misantropo durante tanto tempo na vida (quando isso não era moda, hahaha), tem alguma coisa no ethos atual que me impele na direção oposta, que é justamente valorizar os afetos e a importância das pessoas pelas quais sou afetado. É difícil conter a vontade de explodir tudo, porque de fato está merecendo, mas o esforço é bastante recompensador.
Cidade – Qual o Olimpo que o artista Zanettini almeja?
Zanettini – Eu sou apenas uma pessoa tentando sobreviver.
O LANÇAMENTO
Zanettini lança o álbum Reconectar neste sábado, 8 de junho, na La Photo Galeria (Travessa da Paz 44, em Porto Alegre, em espetáculo também com shows de The Murder Ballads Club, Moldragon e SQVO. Ingressos a R$ 20.
Ouça o álbum Reconectar