A casa de uma advogada no Centro de Gravataí e a sede de uma empresa na Vila Márcia em Cachoerinha foram alvos da Polícia Federal, que investiga desvio de pelo menos R$ 15 milhões em recursos da saúde, repassados pelos governos federal e estadual a uma Organização Social contratada para gerir o Hospital Regional do Vale do Rio Pardo.
Trato do tema porque as milícias digitais das fake news, desinformados (que não leem até o fim) e informados do mal (que produzem postagens insidiosas), já andam aplicando na praça suas características meias verdade – como sempre refiro, uma das partes sempre mais próxima da mentira.
Vamos à informação precisa, para além do caça-clique.
A ‘Operação Camilo’ – ao menos nesta fase do inquérito – não envolve os governos da região, apesar da advogada residir em Gravataí e a empresa prestar serviços para a prefeitura de Cachoeirinha por meio de contratação emergencial.
– Por aqui não há nenhum apontamento de irregularidades – confirmou ao Seguinte: o prefeito Miki Breier, há minutos.
De políticos, os suspeitos de envolvimento na corrupção são o prefeito de Rio Pardo, Rafael Barros (PSDB), que foi preso, e o vereador de Porto Alegre Clàudio Janta, que também é presidente estadual do Solidariedade, e foi alvo das buscas da Polícia Federal.
Conforme GaúchaZH apurou logo após a Operação, “uma empresa ligada ao vereador – não está registrada no nome dele, mas a investigação aponta que ele estaria por trás do negócio – teria recebido valores suspeitos. A investigação aponta que prefeituras contratam a organização social para prestar serviços na área da saúde e a investigada, por sua vez, contrata outras empresas – no sistema de ‘quarteirização’ – que, muitas vezes, serviriam apenas para girar o dinheiro de pagamento de propina”.
O político não está falando, por enquanto. Seu partido, o Solidariedade não tem representação na Câmara de Gravataí. Em Cachoeirinha, o único vereador é Deoclécio Melo.
A força-tarefa formada também por Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, Ministério Público Federal e Ministério Público do Rio Grande do Sul, cumpriu a partir da madrugada desta quarta 129 medidas judiciais também em Porto Alegre, Rio Pardo, Butiá, Canoas, Capela de Santana, São Leopoldo, Guaíba, Portão, Cacequi e São Gabriel, nas cidades paulistas de São Paulo e São Bernardo do Campo, na cidade do Rio de Janeiro, e em Florianópolis e São José, no estado de Santa Catarina.
A investigação apura crimes de fraude à licitação, peculato, corrupção passiva, organização criminosa, ocultação de bens, crime de responsabilidade e desobediência.
São cumpridos 61 mandados de busca e apreensão, 15 mandados de prisão temporária, além de medidas judiciais de arresto/sequestro de bens móveis e imóveis, bloqueio de valores depositados em contas dos investigados e de empresas e afastamento cautelar de funções exercidas por cinco servidores públicos municipais.
As ordens judiciais foram expedidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pela Justiça Estadual de Rio Pardo.
Conforme apurado, o serviço de saúde do Hospital Regional do Vale do Rio Pardo (HRVRP) foi terceirizado para uma Organização Social por meio de um processo de chamamento público direcionado. A instituição vencedora foi escolhida em outubro de 2017, para administrar diversos subsistemas de atividades, como serviços de vigilância e portaria, alimentação e dietética, manutenção predial, lavanderia, limpeza e sanitização hospitalar, radiologia, exames de imagem e SAMU.
Conforme a PF, uma vez contratada, a Organização Social subcontratou empresas que serviram de instrumento de execução de desvio de dinheiro público, especialmente, através do superfaturamento dos valores cobrados pelos serviços prestados e pela não execução de partes de suas obrigações contratuais. As provas coletadas, até o presente momento, indicam a existência de um esquema criminoso que conta com a participação dos gestores da Organização Social, de empresas privadas e de servidores públicos.
No período compreendido entre novembro de 2017 e fevereiro de 2020 foram destinados ao HRVRP cerca de R$ 60 milhões em recursos federais e estaduais. Desse valor, R$ 30 milhões foram repassados pela Organização Social às empresas subcontratadas. Até o presente estágio da investigação, a Força-Tarefa apurou superfaturamento de valores repassados às empresas subcontratadas de aproximadamente R$ 15 milhões.
Outro fato identificado pela Força-Tarefa, já no período de enfrentamento a COVID-19, foi o repasse de R$ 3,3 milhões à empresa ligada à Organização Social que deveriam ser destinados à construção de dez leitos de UTI no HRVRP. As obras estão em andamento, contudo, o projeto elaborado pela Organização Social, que resultou na contratação, é impreciso, sem levantamentos prévios de custos, utilizado somente para recebimento da verba pública. A empresa contratada para executar a obra pertence ao mesmo grupo criminoso investigado.
Reputo importante a informação do superintendente da PF no Estado, José Antônio Dornelles de Oliveira de que “a deflagração das ações acontece sem prejuízos à continuidade do serviço público de saúde oferecido à população pelo HRVRP”. Os doentes não podem pagar pelos corruptos.
O nome da operação tem relação com São Camilo de Lellis, “intercessor de todos os enfermos e profissionais de saúde”. De família nobre, viciado em jogo, levava uma vida profana, decadente, e perdeu todos os seus bens. Tocado pela graça divina, arrependeu-se de todos os seus pecados, passando a dedicar sua vida a servir, por espírito de caridade, aos doentes pobres em hospitais, fundando a Companhia dos Servidores dos Enfermos, conhecidos como Camilianos.
Ao fim, aguardemos as provas da PF, a convicção do MP, ou, com inspiração no santo, a confissão de algum profano arrependido pelo – se aconteceu – abjeto crime de roubar da saúde em meio a uma pandemia.