Quatro mortes em Gravataí. Sem rosto. Nenhuma família quis falar com o Seguinte:. Há um estigma na COVID-19. Igual às doenças do passado – e não tão distante.
A busca que fiz por depoimentos para escrever um artigo que, ao meu pedido, serviria como um alerta àqueles não acreditam na virulência do vírus, sempre encontrou um não – ou um vácuo, sem resposta.
Quando não foi o grito do silêncio, ouvi doloridos e, por vezes, agressivos, ‘nãos’:
– Acabei de enterrar minha mãe!
Em caixão fechado, e após dias de isolamento, saibam, porque é o protocolo do Ministério da Saúde para casos confirmados, ou mesmo suspeitos, de óbito em decorrência da COVID-19.
Compreendi cada ‘não resposta’ e cada ‘não’, e resignei-me a um dos piores momentos para o jornalista: pedir uma entrevista a alguém que recém perdeu um ente querido.
A todos, depois da inconveniência, enviei mensagens pelo WhatsApp (cujo contato cada um deve ter ficado imaginando como consegui), pedindo desculpas pela indiscrição no momento da perda e ‘justificando’ que “é o meu trabalho”.
Mas os ‘nãos’ tem, se não uma explicação rápida, material para estudo. Arrisco uma teoria.
O termo “estigma” vem da Grécia Antiga. Designava sinais corporais que desqualificavam o cidadão marcado. Escravos, criminosos e traidores traziam essas marcas nos corpos, como forma de serem segregados em locais públicos.
Parece-me que o novo coronavírus é chaga pior do que bala achada.
Você pode ler sobre doenças que estigmatizam voltando à Idade Média e a ‘peste negra’, ou avançar um pouco para a ‘gripe espanhola’, a ‘sífilis’, a ‘lepra’, ou ter testemunhado o preconceito com O CÂNCER (sim, tinha gente que não chegava perto!), ou a Aids, nos anos 80.
Reputo natural que as famílias das vítimas de Gravataí da COVID-19 não queiram falar, porque também elas são testadas pela Secretaria da Saúde, e alguns obviamente restam infectados.
Aí vem a reação dos vizinhos, cujo potencial calculo pelas perguntas feitas ao Seguinte: quando postamos o bairro de alguém que testou positivo – ou, mais ainda, perdeu a vida:
– Qual é a rua?
Ao fim, não sou nenhum ‘urubu da imprensa’ caçando cliques por mortes. Inegável é que um depoimento de alguém que perdeu um ente querido tem o peso de um compromisso mínimo para a comunidade: “use máscara, não participe de aglomerações, não é só uma gripezinha, se cuide e etecetera”.
Mas compreendo as famílias enlutadas. E sigo à disposição.
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