Auditoria complementar feita pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) aponta que, entre 2018 e 2019 o governo Miki Breier (PSB) deu um calote de R$ 81 milhões no Iprec, o instituto de previdência municipal, e em 2020 drenou os recursos para pagamentos de limpeza urbana.
Na documentação, a qual o Seguinte: teve acesso, a principal beneficiada é a SKM, empresa citada nas operações Proximidade e Ousadia, que levaram ao afastamento do prefeito por 180 dias a pedido do Ministério Público e com autorização da 4ª Criminal do Tribunal de Justiça.
Além da recomendação de reprovação das contas do governo e responsabilização de Miki, os auditores sugerem a devolução aos cofres públicos – pelo prefeito reeleito em 2020 – de R$ 5 milhões referentes aos juros e rolagem supostamente desnecessária da dívida com o Iprec.
Uma CPI é articulada na Câmara pelo vereador David Almansa (PT), que já preside a comissão do impeachment que pode levar à cassação de Miki.
Reputo seria esta, à parte de outras investigações e denuncismos amalucados, uma ‘CPI do bem’ para Cachoeirinha. Não por citar como ‘vilões’ o prefeito, ou sua suposta orcrim de políticos e empresários, e sim porque o rombo no Iprec pode fazer com que o município não consiga pagar aposentadorias, o que levaria a uma perda de repasses federais e estaduais que ameaçaria serviços básicos, a como a saúde, por exemplo.
Para efeitos de comparação, em Gravataí o rombo de R$ 1 bilhão no IPG, o instituto municipal, fazia com que a Prefeitura pagasse desde 2013, além da folha, alíquotas complementares de até 20%. O que, sem a reforma previdência aprovada em 2021 pelo prefeito Luiz Zaffalon (MDB), que economizou meio bilhão, corresponderia a, em 15 anos, ter que custear mensalmente duas folhas salariais.
Nos seus primeiros quatro anos, o ex-prefeito Marco Alba (MDB) pagou à previdência cerca de dez vezes mais do que investiu na Gravataí chamada à época ‘cidade dos buracos’. O custo político foi uma derrota eleitoral, só transformada em reeleição na eleição suplementar de 2017, realizada devido à impugnação do vencedor nas urnas em 2016, Daniel Bordignon (PT).
Miki chegou a apresentar uma reforma semelhante na semana em que foi afastado pelo TJ. O projeto foi retirado pelo prefeito em exercício Maurício Medeiros (MDB) e tem prazo limite para ser aprovado até março de 2022.
Fato é que as informações da auditoria não deixam dúvidas sobre o calote do ‘patrão’, a Prefeitura.
Os auditores Lucas dos Santos Giacomel e Nívea Maria Vargas Veja Contreiras Rodrigues, que assinam o parecer, isentam os atuais gestores do Iprec pelo déficit que ultrapassa os R$ 300 milhões.
O Serviço de Auditoria do TCE aponta que irregularidades vem desde 2016, no governo Vicente Pires (PSB), e persistiram em 2018 e 2019, “perpetuando o temerário quadro já demonstrado em auditoria anterior”.
O calote da Prefeitura, que é o empregador, foi de R$ 81 milhões: R$ 38,1 mi em 2018 e R$ 42,9 mi em 2019. Em 2018 foram pagos apenas 0,07% do constante no Orçamento; em 2019 somente 0,05%.
A investigação seguiu em 2020, ano em que devido à pandemia prefeituras puderam suspender os repasses para previdência, quando foi constatado que o dinheiro que, conforme o Orçamento, iria originalmente para o Iprec, “foi destinado para a limpeza urbana”.
Os ‘Serviços Terceirizados – Pessoa Jurídica’ receberam o maior incremento de dotação orçamentária por meio dos créditos adicionais (saldo de mais R$ 56 milhões, uma elevação de 127%), enquanto as ‘Obrigações Patronais’ sofreram a maior redução (mais de R$ 30 milhões, queda de 63,21%).
O Serviço de Auditoria, ao detalhar os repasses às terceirizadas, aponta que “o Programa LIMPEZA URBANA (cod. 0056) apresentou a maior variação positiva, em termos absolutos, de dotação orçamentária, mais de R$ 27 milhões de incremento, considerando a diferença entre a dotação autorizada (R$ 41.173.026,35) e a dotação inicial (R$ 13.959.326,99), um aumento de 194,95%”.
“… Com relação à execução deste orçamento, os dados evidenciam que os recursos destinados ao referido programa foram praticamente executados em sua totalidade, comparando-se os valores empenhados (R$ 41.158.793,44) com a dotação autorizada, restando apenas R$ 14.232,91 de saldo, o que representa 0,03% da dotação inicial. Ou seja, além do referido programa quase triplicar em relação ao seu orçamento original, o montante foi praticamente executado na sua íntegra, o que, no mínimo, chamou a atenção da Equipe de Auditoria diante dos valores incrementados, os quais não guardam qualquer proporcionalidade em relação aos demais programas que compõe o elemento de despesa 339039 – Outros Serviços Terceirizados – Pessoa Jurídica, bem como em comparação com outros itens de despesa da execução orçamentária do Município…”, alerta o relatório.
No detalhamento de 2020 os auditores constataram que, “… do total de R$ 27.213.699,36 de créditos suplementares no Programa LIMPEZA URBANA… Identificou-se que a empresa SKM EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS E SERVICOS URBANOS LTDA CNPJ 78376159/0001-00 deteve mais de 50% do total destinado ao referido programa…”.
A conclusão dos auditores é que, “… com base nos elementos e evidências apresentados acerca da movimentação orçamentária, conclui-se que grande parte dos recursos que originalmente pertenciam à dotação referente ao custeio do RPPS foi migrada para o Programa LIMPEZA URBANA (cod. 0056), cuja maior destinatária dos recursos foi a empresa SKM EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS E SERVIÇOS URBANOS LTDA…”.
O relatório menciona as operações do MP que afastaram Miki: “… Cabe referir que ao longo da confecção deste relatório, em 01/06/2021, foi deflagrada a Operação Proximidade pelo Ministério Público Estadual – MPE RS no Executivo Municipal de Cachoeirinha, cuja investigação aponta desvios milionários de recursos públicos em contratos de limpeza urbana…”.
Para sustentar a reponsabilidade do gestor, os auditores observam que, entre 2016 e 2020, mesmo com a pandemia, as receitas foram maiores que as orçadas e, portanto, “não foram identificadas inconsistências ou variações abruptas, demonstrando que inexistiram cenários desconhecidos e/ou situações imprevistas quanto à sua efetividade arrecadatória”.
Em outras palavras, o Orçamento foi uma ficção, ao menos nas rubricas previstas para pagamento da previdência.
No parecer do TCE há o alerta sobre as consequências “para a administração e sociedade”, o que também observei mais acima no artigo, ao fazer a comparação com Gravataí:
“… A não adequação do orçamento às necessidades de custeio ao IPREC aumentará o risco de atrasos ou de não adimplemento das obrigações previdenciárias, sinalizando necessidades de novos parcelamentos, os quais irão gerar custos decorrentes dos encargos moratórios inerentes ao serviço da dívida” e “… a migração continuada e excessiva de dotações orçamentárias destinadas ao custeio patronal do RPPS para o atendimento de outras demandas, postergando o pagamento dos repasses à Autarquia Previdenciária, além de configurar irregularidade, poderá afetar as capacidades financeiras do Ente em prover demais serviços públicos no longo prazo…”, dizem os autores, que alertam:
“… No caso de insuficiência financeira futura da unidade gestora do fundo (IPREC), as obrigações previdenciárias deverão ser suportadas pelo Executivo Municipal, situação que aumentará mais ainda o impacto aos cofres públicos municipais…”.
O Serviço de Auditoria também aponta, nos exercícios de 2018 e 2019, descumprimento das metas de superávit primário previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e o crescimento no endividamento.
Exemplifica o relatório: “… a LDO elaborada em 2017 estimava uma DPC (despesa corrente líquida) de R$ 147.681.014,95 para o final do exercício de 2018, sendo que ao término daquele ano o valor apurado foi de R$ 190.891.483,78 (29,26% a maior); por sua vez a LDO confeccionada em 2018 projetava uma DPC de R$ 188.257.618,17 para 2019, e ao final do ano este valor foi de R$ 197.760.715,95 (5,05% a maior)…”
Ao fim, é mais uma bomba política para Miki desarmar.
Esta, ainda administrativa, apesar do relatório do TCE remeter a operações nas quais o MP quer denunciá-lo criminalmente, junto a outros tantos.
Enviei o relatório ao prefeito afastado, que disse que buscaria informações. Até o fechamento deste artigo não houve retorno.
Insisto: parecem-me incontestáveis o calote e o rombo na previdência.
Um levamento feito pelo TCE escancara a incompetência do governo para lidar com o Iprec: Cachoeirinha cumpriu apenas 2,34% das dotações inicialmente aprovadas no seu orçamento anual para a previdência, enquanto 104 município executaram pelo menos 80%.
Como tratei mais acima, talvez uma CPI da Previdência fosse uma ‘CPI do bem’, caso tratada com técnica e sem politicagem.
A população de Cachoeirinha precisa saber que há uma bomba-relógio que logo vai explodir e ameaça gerações futuras.
E, não faz diferença se os calotes presentes ou passados financiaram governos ou empresas, a impopular, mas inevitável reforma da previdência municipal, se impõe, queiram ou não o prefeito em exercício Maurício Medeiros (MDB), os vereadores ou o sindicato dos municipários (Simca) e o funcionalismo com seu fim de mês perpétuo.
Reputo mais que escrachar os ‘vilões’ no Grande Tribunal das Redes Sociais, ou no outdoor, é preciso uma solução. Para isso é essencial todos vereadores saberem ao menos um pouquinho sobre esse assunto chato e ladrão de votos.
Para começar recomendo a leitura do relatório do Serviço de Auditoria do TCE, clicando aqui.
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