Ao posar para foto com uma pistola ao lado, Clebes Mendes, o presidente da Câmara de Gravataí, passou do ponto, mesmo que seja o ‘Bolsonaro da Aldeia’, alcunha que o temperamental vereador ganhou do Seguinte: – e, por verossímil, colou – devido ao seu comportamento lembrar o do presidenciável, que em junho de 2016 chegou a ligar para o gravataiense ao saber da ‘homenagem’ em relato feito pelo deputado federal Jones Martins.
Concorde-se ou não com o apelido, Clebes é hoje, pelo menos no MDB de Marco Alba, ‘o mais Bolsonaro’ – e, com o ‘mito’ levando sete em cada dez votos na última eleição em Gravataí, certamente figura entre possíveis candidatos na linha de sucessão governista, o que lhe exige uma responsabilidade cada vez maior.
Que, no caso, convenhamos, já deveria ter como presidente do legislativo, um poder que devido aos critérios de proporcionalidade representa 100% do eleitorado de uma cidade onde ainda não há um levantamento local, mas em pesquisa Datafolha pode ser incluída entre os mais de 5 mil municípios onde analogamente existe uma divisão de posições sobre o assunto. No artigo “Queremos sangue como o matador de Campinas?”, publicado pelo Seguinte: em dezembro, trouxe dados que mostram que, se em 2013 sete a cada dez brasileiros achavam que as armas deveriam ser proibidas, hoje a população está dividida: 55% acham que a liberação representa uma ameaça a sua vida e a dos outros, o restante entende que o receio de abordar um cidadão armado levaria a uma nova ‘análise de risco’ pelos criminosos.
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A postagem de Clebes, que se tinha o propósito de caçar-cliques em seu perfil no Facebook, também não funcionou muito bem, nos bastidores tornou-o alvo de críticas entre colegas de parlamento, de partido e do governo. Críticas ou fofocas, a descrição fica ao critério do leitor, já que palavras ditas em off nada representam frente à opinião pública, porque não permitem resposta e não geram repercussões para além das calculadas pelos que optam pelo silêncio. Da oposição na aldeia, a Clebes ou ao governo, nada se espere. Com raras exceções, os políticos com pensamentos divergentes do bolsonarismo parecem escondidos, ou assobiam malandramente por aí, como se não fosse com eles, e elas – todos temerosos em perder votos do “contra tudo que está aí”.
Ok, vamos combinar: o post de Clebes não é o fim do mundo, está bem escrito e traz suas crenças – mesmo que longe dos fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos. Mas a foto me parece dar um tiro na civilidade! Por obrigação do ofício de jornalista, vou analisar a postagem. Quem discordar, metralhe nos comentários, sempre abertos e nunca excluídos pelo Seguinte:, no Grande Tribunal das Redes Sociais, em meio à enésima Guerra Ideológica Nacional.
“(…)
As mudanças já começaram a acontecer, tímidas, diga-se de passagem, mas estão acontecendo. Essa semana, nosso Presidente Jair Bolsonaro, começou a cumprir com o que prometeu em sua campanha, flexibilizar a aquisição de armas de fogo.
Como vocês sabem, sou um armamentista sim, apoio que as pessoas tenham o direito de defender a si e sua família, isso é uma escolha particular e que eu já fiz há muitos anos.
Essa é mais uma medida que busca contribuir com a segurança pública do país, uma das medidas em curto prazo, junto com o excludente de ilicitude, aparelhamento das polícias e outras mudanças na legislação, e num longo prazo, construção de um sistema carcerário eficiente e obviamente, investimento em educação.
(…)”
Há na argumentação verdades e meias verdades – estas quase sempre a parte mais próxima da mentira. Aqui não estou acusando o parlamentar de deliberadamente “faltar com a verdade”, porque conheço sua franqueza, mas arrisco interpretar que é mais um cidadão, no caso, político, já que reeleito para o segundo mandato (e um dos únicos a aumentar a votação), que embarca em um discurso que, no estranho limiar entre o medo e a moda, não tem base fática.
A liberação da compra de armas até agora é, como bem relata Clebes, uma promessa de campanha cumprida por Bolsonaro. Mas não há um estudo sequer, apresentado pelo governo ou pelo superministro Sérgio Moro, ou mesmo pelo MBL ou por Olavo de Carvalho, que mostre estatisticamente que armar a população ajude a melhorar os números da segurança pública.
No artigo “Gravataí e Cachoeirinha podem ter armas liberadas; para quem?”, escrevi:
"(…)
Segundo Atlas da Violência de 2018, com dados até 2016, 71,5% das mortes se dão por armas de fogo. O perfil das vítimas também dá uma pista dos motivos: jovens representam 53,7% do total no país; elas são majoritariamente homens: mais especificamente, 94,6%. São negras ou pardas 71,5% das pessoas assassinadas. A esmagadora maioria é constituída de pobres.
A conclusão parece óbvia: as armas legalizadas estarão nas mãos dos mais ricos, quem continuará morrendo são os mais pobres e, como as armas respondem por sete em cada 10 mortes, a conseqüência obvia é um crescimento no número de mortes.
(…)"
Em reportagem no Seguinte:, o jornalista Eduardo Torres fuzilou os dados: "Uma em cada quatro armas legais é roubada no RS". Se, mesmo assim, você está compelido a gastar mais um pouco das letras c-o-m-u-n-i-s-t-a, p-e-t-r-a-l-h-a ou m-i-m-i-m-i, economize o teclado de seu PC, notebook ou celular, e troque nossos dados e opiniões pela declaração do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, no dia posterior à publicação do decreto que facilita a compra de armamento:
– Essa questão da flexibilização da posse de arma, eu não vejo como uma questão de medida de combate à violência. Eu vejo apenas, única e exclusivamente, como um atendimento a promessas de campanha do presidente e vai ao encontro de anseios de grande parte do eleitorado dele – disse (e quem tem acompanhado suas falas e movimentos há de concordar), aquele que representa muito mais do que um “general de dez estrelas que fica atrás da mesa com o cu na mão”, como cantava Renato Russo, em Faroeste Caboclo.
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Mas vamos adiante, porque quem chegou ate aqui na leitura deste artigo diferencia-se da ordem whatsappiana ou da terra planificada terminar um um abismo quando aparece o "leia mais" no textão de Facebook (vale para todos, não falo de ideologia, é assim que tem que dizer?): na sequencia do post, Clebes defende, também como política de segurança pública, o “excludente de ilicitude”. Ainda bem que não lembrou snipers (tresloucada ideia de Witzel, o novo xerife da terra onde Sérgio Cabral e sua gangue fizeram o que queriam sob o silêncio de canhotos, destros e isentões), que sob justificativa de atirar em traficantes do baixo clero transformariam num alvo cada PM – e, sabemos, não só no Rio, ser policial é cada vez mais uma profissão de fé.
Hoje, como em todos os países civilizados, agentes das polícias militar, civil e federal precisam explicar a ocorrência de mortes em suas operações. Não da mesma forma que uma pessoa comum, mas é avaliada a proporcionalidade entre a reação e o risco. O “excludente de ilicitude” seria nada mais do que uma licença para matar. A conseqüência que restaria é que o policial correto e o corrupto, ou o miliciano e os integrantes de facções, seriam alvos da mesma suspeita. Quem sabe trocariam tiros entre si, sem se saber quem é mocinho ou bandido na contagem de corpos? – mas não é objetivo deste artigo tratar das milícias, mesmo reveladas nesta semana supostas ligações perigosas e poderosas dessa máfia que, tanto quanto, ou junto ao narcotráfico, aterroriza o Rio.
Clebes segue, em seu texto repicado nos três perfis:
“(…)
Para ter uma arma você vai precisar se preparar e tudo que você fez no passado será avaliado, ninguém vai comprar um fuzil AK47 nas Casas Bahia e sair andando por aí. Se for da sua escolha, se você se sentir preparado e sentir-se seguro com uma arma em casa, adquira a sua. Esperamos que nosso Presidente faça mais mudanças referentes e esse tema, principalmente, trazendo respaldo jurídico para aqueles que utilizam o seu armamento.
(…)”
São verdades relativas: você precisará ter ficha limpa se for comprar uma arma nova, apesar de só daqui a dez anos precisar apresentar sua ‘capivara’ para renovar a licença. Já armamento pesado, como compram no cartão psicopatas americanos que cometem chacinas em escolas e locais públicos, não se achará nas Casas Bahia ou na Havan. É ainda mais correto, mesmo que temerário, por egoísta, concordar com Clebes que cada um fará sua escolha – entendendo proteger, ou expor, a si e sua família em casa.
Ao fim, este artigo é para desejar que Clebes, e todos que tenham sido influenciados por ele, por Bolsonaro, ou por quem quer que seja, se cuidem e, como pais, mães ou familiares, tenham cofre em uma casa bem segura.
A exposição política é a que provoca menos danos irreversíveis.
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