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OPINIÃO | Na vida loka real, mais um taxista morreu

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

A clássica frase de Saint Exupery em O Pequeno Príncipe poucas vezes foi tão precisa para explicar alguns fenômenos da sociedade brasileira. É na frase dita pela raposa ao Pequeno Príncipe, que se orgulhava da linda flor já crescida, que eu penso ao deparar com os detalhes da morte do taxista Ermínio Oliveira da Silva, de 39 anos.

Em depoimento, os dois adolescentes de 15 e 17 anos disseram que, depois de espancar Ermínio, o jogaram para o acostamento da RS-118 e, com impressionante crueldade, passaram com o carro sobre ele. A polícia acredita que este tenha sido o golpe mortal na vítima que trabalhava no táxi há 20 anos.

 

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 A tendência, e o instinto de qualquer um, talvez leve a pensar: “monstros!”, “morte aos vagabundos!”, “pena de morte!”, “redução da maioridade penal, já!”. Simplificar o problema sempre parece o remédio que alivia as dores mais rapidamente. Mas será que cura?

Sociedades violentas tendem a fabricar também os crimes, e os criminosos, mais violentos. Em uma repetição que torna fatos extremos quase corriqueiros. Certa vez, em uma comunidade controlada por uma facção criminosa na zona sul de Porto Alegre, acompanhei o caso de uma mãe arrancada de dentro de casa, diante dos quatro filhos pequenos, colocada diante da casa e, com criminosos armados de espingardas calibre 12 e pistolas, crivada de tiros no rosto. Uma cena presenciada pelos quatro filhos pequenos.

Tal não foi a surpresa quando a reportagem chegou na casa, e um dos meninos, que não devia ter mais de 12 anos, abordou este repórter:

— Não te preocupa, tio. Nós vamo passar eles. Vamo passá quem fez isso com a minha mãe.

O erro de se pensar que armado até os dentes, fechado nos seus muros, grades e alarmes sem acesso aos “vagabundos”, ou ainda incentivando uma polícia violenta e despreparada a atirar e depois perguntar irá nos livrar destes monstros é como uma bomba relógio. Mesmo que você se isole, ou isole o outro, o mundo daqueles adolescentes que nunca tinham visto o taxista antes e o do menino disposto a vingar o ataque à mãe com as mesmas armas dos malfeitores é exatamente o mesmo seu. Se no seu mundo, vagabundo tem que morrer, no deles também. O detalhe é que, no mundo de cada um, o vagabundo é sempre o outro. E com um agravante: em geral, esta lição é aprendida bem cedo por quem está do lado de fora do muro.

 

: Ermínio foi enconrado morto com extrema crueldade. O táxi foi abandonado pouco depois

 

Taxistas ou motoristas de aplicativos são um exemplo bem atual do trânsito entre universos supostamente divididos, mas, na verdade, refletidos. Resolve-se na violência o problema que está posto diante de cada um. No caso do bandido, o “problema” é quem está entre ele e o dinheiro.

Quando os casos de esquartejamentos estouraram na Região Metropolitana, o sociólogo Francisco Amorim analisou o comportamento de escalada de crueldade e violência.

— Não é só para botar medo. É uma violência simbólica, porque sabem que, quanto mais cruel do que o crime anterior for este, mais será falado e mais poder demonstrará — disse, referindo-se à relação entre facções criminosas.

Não basta ser bandido no bangue-bangue atual, tem que ser bandidão. É como o vereador aquele. Não basta ter uma arma e ser treinado para operá-la. É preciso mostrar nas redes sociais que “vagabundo não tem vez”. A diferença entre o Charles Bronson da vida real e os adolescentes que atacaram o taxista parece ser só a posição de cada um em cena. Para estes, é a cultura do “vida loka” que vigora. Se tiver que roubar, rouba, se tiver que matar, mata. Afinal, não é esta a mesma ordem que boa parte da sociedade tem passado aos esquadrões de elite?

 

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Mas é preciso punição a quem comete crimes. Isso é consenso. Em 2017, um grupo de dez jovens, com não mais do que 21 anos, encheu um micro-ônibus da Brigada Militar depois de ser surpreendido quando fariam um ataque ao território de uma facção criminosa inimiga, em Porto Alegre. Ao desvendar detalhes das vidas de cada um destes soldados que formavam o “bonde”, um detalhe chamou atenção. Todos os que já tinham cumprido medidas sócio-educativas eram unânimes em dizer que lá, dentro da Fase, haviam passado os melhores anos, ou meses, de suas vidas. Alguns, estudaram pela primeira vez. Outros, tiveram afeto pela primeira vez.

Quando o discurso em vigor manda botar todo mundo na cadeia, boas experiências como a da Fase tendem a se perder. E não se trata de buscar desculpa ao absurdo crime confessado pelos adolescentes contra o taxista Ermínio. Muito menos de reproduzir outra simplificação, de que os dois adolescentes são “vítimas da sociedade”. Trata-se de discutir como não multiplicar ainda mais o que já virou rotina.

Aquela famosa frase de Saint Exupery evoca a tal da empatia. Sem ela, o afeto vai sumindo até chegarmos a adolescentes capazes de passar com um carro sobre um homem já desfalecido. Desarmar pensamentos, derrubar muros e misturar, ao invés de segregar, não seria mais eficaz?

Em O Pequeno Príncipe, a raposa ensina:

— Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.

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