Não passa de uma falácia esta história de que a General Motors (GM) pode abandonar suas operações no Brasil e Argentina caso os resultados financeiros – negativos desde 2016, segundo a direção da montadora em Detroit, nos Estados Unidos – não sejam revertidos já neste ano, 2019.
Pelo menos é o que garantem alguns especialistas e dirigentes de entidades ligadas ao setor automobilístico, segundo o site Quatro Rodas. O anúncio foi feito pelo presidente da GM Mercosul, Carlos Zarlenga, em e-mail que distribuiu na sexta-feira passada aos funcionários da empresa.
Segundo a publicação, “caiu como uma bomba” a notícia de que a General Motors estaria cogitando a possibilidade de deixar o Brasil. O e-mail de Zarlenga teve origem em entrevista da presidente mundial da GM, Mary Barra, publicada pelo jornal Detroit News, que disse que a companhia estaria revendo suas operações na América do Sul.
O argumento de Barra é que a empresa não pode “investir para perder dinheiro”, e o comunicado interno do presidente no Mercosul, Zarlenga, classificou a situação como “momento muito crítico, acrescentando que os prejuízos dos últimos três anos não podem se repetir neste 2019.
O que eles disseram
Antônio Jorge Martins, coordenador acadêmico de cursos automotivos da Fundação Getúlio Vargas (FGV):
— A GM saiu da Europa, é verdade. Mas no Brasil isso é muito mais difícil de acontecer porque nosso mercado tem um potencial altíssimo de crescimento, muito maior do que Europa ou Estados Unidos. As fabricantes não querem perder oportunidades.
Joel Leite, especialista em mercado automotivo e presidente da agência AutoInforme:
— Eles acabaram de anunciar uma linha inteiramente nova de produtos. Desenvolveram uma plataforma nova voltada a mercados como o Brasil. Vão sair justamente nesse momento? Isso parece mais terrorismo para forçar distribuidores a reduzirem preços.
Decio Farah, superintendente executivo da Associação Brasileira de Concessionários Chevrolet (Abrac):
— É algo que acredito que esteja muito longe da realidade.
Aparecido Inácio da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul (São Paulo), onde está uma das fábricas da companhia no país:
— Ainda não temos como nos manifestar concretamente porque fomos pegos de surpresa, mas entre os trabalhadores o sentimento geral é de uma justificativa para tirar direitos.
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O que a GM quer
Seja blefe ou não a estratégia da GM, Quatro Rodas publicou que consultou fontes e constatou que a fabricante já iniciou sua ofensiva para reduzir custos em quatro frentes:
1
Concessionários: margens e comissões mais enxutas
2
Trabalhadores: flexibilização de cargas horárias de trabalho e direitos
3
Fornecedores: pressão por preços mais competitivos
4
Governos: incentivos e reduções tributárias.
IMPORTANTE
: Em relação a revendedores a mudança já começou. A reportagem do site soube que na última quarta-feira (16/1) a companhia divulgou aos lojistas uma nova política de comissões com redução de um ponto percentual em todos os canais de venda. Antes, a comissão média orbitava a casa de 5%. Agora, ficou reduzida a cerca de 4%.
: E em relação aos trabalhadores, segundo se ficou sabendo na manhã desta quarta-feira (23/1), a proposta é puxada e deve provocar reações capitaneadas pelos sindicatos da categoria.
: Confira o que a GM quer dos funcionários:
1 – Aumento da jornada de trabalho
2 – Adoção do banco de horas
3 – Liberação da terceirização em toda a fábrica
4 – Fim do transporte fretado
6 – Jornada intermitente
7 – Fim da estabilidade de emprego para lesionados
Por que o prejuízo?
Difícil assimilar como a marca que mais comercializa automóveis no Brasil, com 17,58% de participação em 2018, e que também possui o carro mais vendido entre todos, o Chevrolet Onix, que sai do complexo de Gravataí, esteja fechando as contas no vermelho, segundo a Quatro Rodas. Os especialistas também têm dificuldade de entender como isso acontece.
Para Antônio Jorge Martins, da FGV, fabricantes como GM e Ford estão sofrendo hoje no Brasil, apesar de ainda possuírem percentuais expressivos de participação no mercado, porque demoraram a se adaptar à nova realidade do mercado brasileiro a partir dos anos 2000.
— Durante quase 60 anos quatro montadoras atuaram sozinhas. Com a chegada de novas concorrentes e, principalmente, com a forte queda nas vendas a partir de 2014, hoje a pressão por competitividade está muito mais elevada. É preciso buscar novos parâmetros de competitividade e nova visão estratégica — avalia.
Outro erro, em sua visão, é que o foco da GM, apesar dos altos volumes de vendas, está quase integralmente voltado a uma única família de modelos compactos, Prisma e Onix, cujo tíquete médio e, consequentemente, as margens de lucro são mais baixos.
— Nos tempos atuais é preciso ter produtos fortes em todos os segmentos de atuação, pois isso garante solidez e retorno rápido dos investimentos. Isso vale especialmente numa época em que os ciclos de atualização dos carros estão cada vez mais curtos, demandando investimentos cada vez mais periódicos — explica.
Importância do GEM
Segundo a reportagem, os carros do projeto GEM (Global Emerging Markets) marcarão uma investida forte da Chevrolet em segmentos de maior valor agregado, como o de compactos premium – novos Onix e Prisma -, de SUVs compactos e compactos-médios – novo Tracker e um modelo inédito a ser feito na Argentina – e o de picapes compactas-médias. É sobre eles que estará a pressão por vendas consistentes e rentabilidade.