RAFAEL MARTINELLI

Com apoio de todos vereadores, Zaffa cria Secretaria da Mulher e de DIREITOS HUMANOS em Gravataí; A ‘desbolsonarização’

Zaffa, ao lado da primeira-dama Marlene, ao receber o projeto da nova secretaria

Gravataí agora tem Secretaria Municipal da Mulher e Direitos Humanos. O prefeito Luiz Zaffalon (PSDB) propôs e os vereadores aprovaram por unanimidade. É uma obvia resposta ao caso do suposto assédio sexual de secretário municipal a assessora, mas reputo também é um indício de ‘desbolsonarização’ política da aldeia que já deu 7 a cada 10 votos para o ex-deprimente da república.

Reparem que não é só secretaria da mulher, é secretaria dos direitos humanos.

Zaffa teve coragem política.

Antes de seguir na polêmica, vamos às informações.

A secretaria ampliará os serviços da Casa Lilás e da assessoria de políticas públicas da mulher, fazendo a interlocução com toda rede que conta com Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar, Sala das Margaridas na Delegacia de Polícia e Procuradoria Especial da Mulher da Câmara de Vereadores.

A secretaria tratará de “grupos minoritários”, descritos na justificativa do projeto como “grupos que, em geral, são compostos por um número grande de pessoas (na maioria das vezes, são a maioria em números), mas que são excluídos por questões relativas à classe social, ao gênero, à orientação sexual, à origem étnica, ao porte de necessidades especiais, entre outras razões”.

Voltemos ao antagonismo entre bolsonarismo e direitos humanos.

Estudo da revista Plural (dedicada a estudos de sociologia), publicado em 2018, pesquisou a construção do fenômeno do bolsonarismo ao longo dos 30 anos de carreira política de Jair.

De um total de 536 textos, com destaque para Folha de S. Paulo e O Estadão, tabulou-se que Bolsonaro ganhou projeção em relação diretamente proporcional ao seu discurso contrário aos direitos humanos.

O deputado começou a chamar a atenção ao defender a ditadura e seus métodos de exceção, como a tortura; depois ganhou força a pauta anti-LGBT; a partir de 2016 ampliaram-se as críticas aos temas de direitos humanos, como direitos indígenas, violência de forças policiais contra a população de baixa renda, direitos das mulheres, racismo, liberdade de imprensa e etc.

“De todas as pautas analisadas, a que mais parece constituir a imagem pública de Jair Bolsonaro é aquela contrária aos direitos humanos”, constata o estudo.

Qual a conexão com Gravataí?

Gravataí já deu 7 a cada 10 votos para Bolsonaro. Inegavelmente é uma cidade conservadora. E Zaffa, sabe quem o conhece, e o próprio já declarou em vídeo ao Seguinte:, se apresenta como “centro, centro-direita” na ferradura ideológica.

Tanto que recebeu críticas de eleitores mais extremistas por se filiar ao PSDB, que identificam como partido ‘esquerdista’, assim como o governador gay Eduardo Leite.

Arrisca Zaffa ser criticado no Grande Tribunal das Redes Sociais, mas isola o extremismo, principalmente por conseguir uma aprovação por unanimidade dos vereadores, de governo e oposição – inclusive com voto do governista Policial Federal Evandro Coruja (PP), um ‘bolsonarista-raiz’.

Fato é que Gravataí ganha uma secretaria da mulher e, reforço, de direitos humanos, pelas mãos de um governo de centro-direita. Isso é bom. Merece reconhecimento, em um momento no qual o extremismo obrigou a esquerda a se deslocar para o centro, cooptou eleitoralmente – envergonhadamente para alguns, para outros não – a direita tradicional conservadora e suicidou o liberalismo.

Ao fim, como – longa – conclusão, associo-me ao artigo ‘Direitos Humanos’ fazem 75 anos sob mentira de que são coisa de bandido’, de Leonardo Sakamoto.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, o documento mais relevante que a humanidade já produziu, completa 75 anos de sua proclamação pela Assembleia Geral das Nações Unidas neste domingo (10). Para além do fato de que seu cumprimento depende não raro, da cor de pele, classe social, gênero e identidade, há também o problema de que muita gente continua sendo enganada sobre o que são esses direitos e a quem eles servem.

Por exemplo, há um naco de brasileiros que acredita que “direitos humanos” são um grupo de pessoas que resolvem defender bandidos. Ou que “direitos humanos” são uma coisa de “comunista”, ignorando que o texto teve forte influência das democracias liberais e defende até a propriedade privada.

O que são direitos humanos, afinal? Grosso modo, é aquele pacote básico de dignidade que você deve ter acesso simplesmente por ter nascido.

Direitos humanos é garantir que ninguém passe fome, que crianças não precisem trabalhar para ajudar a sustentar a família, que idosos não sejam deixados para morrer à própria sorte, que pessoas não vivam sem um teto, que ninguém precise ter medo de ser assassinado, que não exista exploração sexual de crianças e adolescentes, que ninguém seja escravizado, que a migrantes pobres seja garantida a mesma dignidade conferida a migrantes ricos, que todas as crenças sejam respeitadas e a não-crença também, que a liberdade de expressão seja respeitada, que  mulheres não sejam estupradas, que não exista racismo, que ninguém tenha medo de morrer por sua identidade ou por amar alguém, que todos tenham acesso à água potável, a um ar respirável e a um planeta habitável, que qualquer um possa abrir um negócio se quiser, comprar uma casa, frequentar uma associação, eleger ou ser eleito. Mas também que ninguém precise temer ser torturado e morto quando está sob a tutela do Estado.

Ah, mas isso tudo são direitos humanos? Não, isso é só o aperitivo. Sim, você gosta de direitos humanos, mas te ensinaram o contrário.

É claro que os direitos humanos não começam com o documento que completa 75 anos agora. É uma longa caminhada pela história da humanidade, em que pressionamos governantes a não tolherem direitos civis e políticos, mas também para que eles agissem a fim de garantir direitos sociais, econômicos, culturais, ambientais.

O mundo, ainda em choque com os horrores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), produziu a Declaração para tentar evitar que esses horrores se repetissem. De certa forma, com o mesmo objetivo, o Brasil, ainda olhando para as feridas de 21 anos de ditadura militar, sentou-se para escrever a Constituição Federal de 1988. Ambos não são textos perfeitos, mas, com todos seus defeitos, ousam proteger a dignidade e a liberdade de uma forma que, se hoje sentássemos para formulá-los, não conseguiríamos.

É depois de grandes momentos de dor que estamos mais abertos para olhar o futuro e desejar que o sofrimento igual nunca mais se repita. Desde então, não vivemos uma guerra como aquela, muito menos um período de exceção quanto 1964 e 1985. Acabamos nos acostumando. E esquecendo. E banalizando.

E, por isso, ao completar 75 anos de sua proclamação, a Declaração e o que ela representa são vítimas de ataques. Tal como a Constituição, que completou 35 anos em outubro. Muitos tiveram sucesso em fazer crer que as pessoas devem atacar o pacote de direitos que lhes garante qualidade de vida. Como? Mentindo.

Elegemos líderes ao redor do mundo que chamam os direitos humanos de coisa de bandido ou fake news. E é por conta deles que esses princípios são mais necessários do que nunca.

Minha geração herdou esses textos – um de nossos avós e outro de nossos pais. Agora, precisamos ensinar à geração de nossos filhos e netos sua própria história sob o risco de que o espírito presente em 1948 e 1988 se perca por desconhecimento.

Discursos misóginos, homotransfóbicos, fundamentalistas e violentos têm atraído pessoas que, acreditando serem revolucionárias e contestadoras, na verdade agem de forma a manter as coisas como sempre foram. Creem que estão sendo subversivos lutando contra a “ditadura do politicamente correto” – que, na prática, se tornou uma forma pejorativa de se referir aos direitos básicos que temos por termos nascido humanos.

Parte deles também abraça esses discursos como reação às tentativas de inclusão de grupos historicamente excluídos, como mulheres, negros, população LGBT+. Há jovens que veem na luta por direitos iguais por parte de suas colegas de classe ou de coletivos feministas uma perda de privilégios que hoje nós, os homens, temos, por exemplo.

Nesse contexto, influenciadores digitais, formadores de opinião, guias religiosos e políticos ajudam a fomentar, com seus discursos irresponsáveis, uma resposta agressiva e reativa à luta por igualdade de direitos.

E para algumas pessoas poderosas, os direitos humanos, do alto de seus 75 anos, são vistos como um problema incômodo a ser imolado no altar do crescimento econômico ou em nome de costumes e comportamentos.

Devemos encarar todas as conquistas nessa área, desde 10 de dezembro de 1948, como portas que, depois de muito sacrifício, conseguimos abrir no muro da opressão e da injustiça. Portas que, se não forem monitoradas bem de perto, se fecharão novamente na nossa cara.

E o trabalho começa por explicar a toda pessoa que xinga os direitos humanos que, ao fazer isso, ela chama a si mesma de lixo.

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