O Seguinte: reproduz mais uma lição de jornalista publicada pelo Carlos Wagner em seu blog Histórias Mal Contadas
Vem de muito longe uma expressão que circula entre veteranos policiais gaúchos a respeito das matanças que ocorrem entre criminosos de quadrilhas rivais:
– Estão se matando entre eles, melhor para nós.
Na última década, as matanças entre quadrilheiros gaúchos, especialmente os envolvidos com o tráfico de drogas, se intensificaram, atingiram um grau de crueldade jamais visto e estão se profissionalizando a passos largos. A pergunta que nós repórteres estamos fazendo é: quanto tempo levará para atingirem o atual estágio de organização dos matadores do Rio de Janeiro?
O cartão de apresentação dos cariocas é o Escritório do Crime, uma milícia de matadores de elite, formada majoritariamente por policiais militares e ex-policiais. Fundado em 2002, é apontado como responsável por mais de 19 execuções, entre elas a da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu motorista Anderson Gomes, em 2018.
Na década de 80, os criminosos cariocas “lançavam moda”, segundo o jargão policial, ou seja, inventavam novas maneiras de cometer crimes que costumavam demorar uma década para chegar ao Rio Grande do Sul. Foi assim com a criação das facções criminosas, na esteira do surgimento do Comando Vermelho (CV). Hoje “a moda” leva meia dúzia de dias para se instalar entre os criminosos gaúchos.
Lembro que no final dos anos 90 as quadrilhas da Região Metropolitana de Porto Alegre usavam adolescentes para executar os seus inimigos. Havia um garoto de 14 anos, em Alvorada, que enfileirou mais de 20 mortes. Trabalhei na cobertura desse caso. Conversei com vários dos seus amigos. Ele era respeitado na favela, onde morava com os irmãos. Acabou sendo preso. Havia outro adolescente matando em Novo Hamburgo e nas cidades vizinhas. Também trabalhei no caso dele. No final, se envolveu no estupro de uma jovem e desapareceu da região.
Certa vez conversei sobre os adolescentes matadores com um chefe de quadrilha que havia sido preso. Foi uma daquelas conversas que a gente publica aos pedaços, em várias reportagens, para evitar que a fonte seja identificada, o que, no caso, seria uma sentença de morte. Ele me disse uma coisa que guardei: queixou-se de que o problema de mandar “um guri fazer o serviço é que ele começa a contar para todo mundo para se gabar”. O que acaba causando grandes transtornos para quem encomendou a morte.
A razão pela qual os adolescentes são usados como matadores é que eles têm uma série de benefícios na legislação penal – há matérias na internet. Nos últimos anos, no entanto, as quadrilhas têm preferido contratar matadores com treinamento e que sabem como usar uma arma de modo letal – por exemplo, eles atiram uma única vez na cabeça, ao contrário do adolescente, que aperta o gatilho e só para quando não tem mais munição. Mais ainda: o uso de matadores mais qualificados aconteceu após uma onda de “enganos”.
Muita gente que não tinha nada a ver com a disputa entre as quadrilhas acabou sendo morta porque, por exemplo, usava um veículo semelhante ao da pessoa que deveria ser executada. Vários casos repercutiram na imprensa e, por conta da repercussão, a polícia foi pressionada a resolvê-los.
Nos últimos dias andei consultando várias fontes que tenho entre os policiais e outras pessoas ligadas às disputas entre quadrilheiros. O que todos afirmaram é que não existe operando na Região Metropolitana de Porto Alegre um esquema de contratação de pistoleiros sofisticados como o Escritório do Crime, no Rio de Janeiro. Até agora o que existe são pessoas qualificadas no manuseio de armas que estão operando no mercado de pistoleiro de aluguel.
Onde nós repórteres entramos nessa história? Nós temos que juntar as peças desse quebra-cabeça para saber como as coisas estão acontecendo. Essas informações vão dar robustez aos nossos conteúdos e atrair a atenção do leitor. É certo que existem pistoleiros de aluguel atuando na Região Metropolitana, aliás, eles sempre existiram. Lembro que há menos de uma década nós escrevíamos que o fulano era chefe de “quadrilha”. Hoje usamos a palavra “facção”, que tem um significado bem maior.
Enquanto a quadrilha opera um único tipo de crime, como drogas ou roubo de veículos, as facções trabalham com vários tipos: drogas, roubos de carga e até de serviços (gás e TV a cabo pirata). Portanto, movimentam uma quantia de dinheiro bem maior. Logo, necessitam de matadores precisos e que não causem confusão. Um bom lugar para começar a fazer essa matéria são os serviços de inteligência da Polícia Civil e da Brigada Militar, o P2. Eles sempre sabem o que está rolando “na city”. É uma boa história para contar.