Três vereadores de Gravataí não desgrudaram da transmissão ao vivo feita pelo site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que decidiu, na noite desta terça-feira, pelo apertado placar de 4 a 3, que a presença de ‘candidatas laranjas’ deve levar à cassação de toda a chapa.
O entendimento do tribunal foi feito no julgamento do caso de cinco candidatas à Câmara de Valença do Piauí, que tiveram votação inexpressiva, não praticaram atos de campanha nem tiveram gastos declarados em suas prestações de contas.
Bombeiro Batista, Dilamar Soares e Dimas Costa aguardam julgamento de recurso feito pelo Ministério Público à absolvição deles por 7 a 0 pelo Tribunal Regional Eleitoral em caso semelhante envolvendo duas ‘laranjas’ na coligação entre PSD e PRTB nas eleições de 2016.
Condenados pela Justiça de Gravataí e absolvidos pelo TRE, os três correm o risco de perder os mandatos, como já tratei nos artigos Como foi o julgamento que absolveu Bombeiro, Dilamar e Dimas e Cassação pelo TSE ameaça 3 vereadores de Gravataí.
Um novo cálculo teria que ser feito pela Justiça Eleitoral, excluindo todos os votos da coligação, para definir três novos vereadores. Como o processo não preve inelegibilidade, os cassados poderiam concorrer em 2020.
Vamos à notícia e depois siga o que diz Cláudio Ávila, advogado de Dimas, a entrevista completa com José Luis Blaszak, ex-desembargador do TRE do Mato Grosso que defende Bombeiro e Dilamar, e, ao fim, comento o que chamo de ‘O Processo’, de Kafka.
A NOTÍCIA
A Lei das Eleições obriga a presença de ao menos 30% candidaturas de mulheres, mas partidos tentam burlar as obrigações com ‘candidatas laranjas’, ou seja, fictícias, apenas para alegar oficialmente que cumpriram a cota.
O entendimento firmado pelo TSE na noite desta terça deve seguir de referência para a análise de casos semelhantes, como a investigação sobre candidatas laranjas do PSL em Minas Gerais e em Pernambuco. A decisão do TSE cassou o mandato de seis dos 11 vereadores da Câmara de Valença do Piauí.
Para o Ministério Público Eleitoral, as "candidaturas fictícias" relegam às mulheres "papel figurativo na disputa político-eleitoral" e refletem a "estrutura patriarcal que ainda rege as relações de gênero na sociedade brasileira".
Uma das candidatas de Valença não obteve nenhum voto, outra obteve um e uma terceira sequer compareceu às urnas para votar.
Em seu voto, o vice-presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que a cota feminina não produziu, até hoje, verdadeiro impacto na representação feminina no Congresso Nacional – atualmente, apenas 15% dos parlamentares são mulheres, índice abaixo tanto da média das Américas (de 30,6%) quanto da média mundial (de 24,3%).
– Entre nós, os resultados ruins da reserva de candidaturas femininas parecem advir, em grande medida, da falta de comprometimento efetivo dos partidos políticos em promover maior participação política feminina. E isso é demonstrado pela recalcitrância dos partidos e das lideranças partidárias em empregar os recursos destinados por lei à difusão da participação política feminina para atrair mais mulheres para seus quadros e promover a sua capacitação; em dar espaço a mulheres em seus órgãos diretivos – afirmou o ministro.
A controvérsia no caso de Valença, destacou Barroso, é saber se, com a fraude nas candidaturas femininas das coligações, a perda dos registros de candidatura se aplica apenas a elas ou se alcança indistintamente todos os candidatos indicados pelas coligações proporcionais.
– Como se sabe, nenhum candidato pode pretender concorrer às eleições e ter seu Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) deferido sem que o partido ou coligação pelo qual concorre preencha determinados requisitos, a exemplo da constituição de órgão partidário válido, da realização de convenções e do atendimento ao percentual mínimo de 30% de candidaturas por gênero. Portanto, a consequência da fraude à cota de gênero deve ser a cassação de todos os candidatos vinculados ao DRAP, independentemente de prova da sua participação, ciência ou anuência. Isso porque a sanção de cassação do diploma ou do registro prevista no art. 22, XIV, da LC 64/1990 aplica-se independentemente de participação ou anuência do candidato – concluiu.
Barroso acompanhou o entendimento do relator, ministro Jorge Mussi, de que todos os candidatos a vereador das duas coligações deveriam ser cassados. Os ministros Tarcísio Vieira e a presidente do TSE, ministra Rosa Weber, tiveram o mesmo entendimento.
Em sentido contrário, Edson Fachin, Og Fernandes e Sérgio Banhos se posicionaram a favor de que apenas os candidatos que efetivamente participaram da fraude deveriam ser punidos pela Justiça Eleitoral.
O QUE DIZ CLÁUDIO ÁVILA, ADVOGADO DE DIMAS:
– Ao contrário da decisão do TSE no Respe 19392/Valença (PI), a Corte Regional do Rio Grande do Sul, por unanimidade, não reconheceu a fraude. Logo, o julgamento na Corte Superior fica limitado pela Súmula 24 do TSE, que preceitua que “não cabe Recurso Especial Eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório” – observa e conclui:
– Portanto, não há como o TSE fazer nova análise de provas, afastando assim, qualquer possibilidade de cassação dos vereadores de Gravataí, umas vez que não houve o reconhecimento do elemento nuclear para possibilitar a cassação da chapa, impossibilitando que o TSE reveja esse ponto da decisão regional. Desse modo, não há risco de perda de mandato.
O QUE DIZ JOSÉ LUIS BLASZAK, ADVOGADO DE BOMBEIRO E DILAMAR
Seguinte: – O que diferencia o julgamento dos vereadores de Valença e Gravataí?
Blaszak – O que dá a entender o conjunto dos votos é que a análise aconteceu em relação a se houve ou não fraude. Comprovada, os efeitos atingem toda coligação , em que pese a possibilidade de embargos de declaração com efeito modificativos, que os condenados podem apresentar e, com a mudança na composição da corte, que acontece neste ano, alterar a decisão. Já aconteceu há quatro eleições. O TSE julgou que contas reprovadas evitavam a emissão da certidão de quitação eleitoral e o candidato restava impedido de concorrer na eleição seguinte. A mudança de um ministro mudou tudo. Nos embargos, foi decidido que apenas no caso de contas não prestadas seria impedido o registro de candidaturas. No caso de ontem, um apertado 4 a 3, nenhum ministro duvidou da fraude. Estava provado. Os vereadores tinham sido condenados pelo TRE do Piauí. A divergência era relativa aos efeitos do julgamento em toda coligação. Quatro decidiram por alcançar todos os membros da coligação, três apontaram a necessidade de provar a participação dos candidatos na fraude. Cito o voto do ministro Og Fernandes, que alertou para a impossibilidade de, por exemplo, numa cidade como São Paulo, correligionários fiscalizarem toda a coligação. Como responsabilizar terceiros de boa fé? Entendo que quatro ministros colocaram a política afirmativa, das cotas para mulheres, acima da norma. No Direito Civil, como no Direito Eleitoral, a fraude alcança somente quem se beneficiou. Imagine 1 milhão de brasileiros isentos de alguma taxa que depois é considerada irregular: todos seriam responsabilizados? A grande diferença de Gravataí é que o TRE entendeu por unanimidade que não houve fraude. E a Súmula 24 do TSE é clara em proibir nova análise de provas.
Seguinte: – Então a sentença que será analisada pelo TSE é exclusivamente a do TRE, que absolveu os vereadores de Gravataí. Não há como considerar as supostas provas que levaram à condenação dos três pela Justiça Eleitoral de Gravataí?
Blaszak – Apenas a sentença do TRE. Só seria diferente no caso de erro de direito. Por exemplo, se a coligação tivesse descumprido o dispositivo da lei que determina o registro de 30% de candidaturas femininas.
Seguinte: – Numa analogia com o futebol, o resultado do jogo poderia ser alterado apenas pela inscrição irregular de um jogador, e não por um pênalti mal marcado?
Blaszak – Exato. A Justiça de Gravataí entendeu que houve simulação de candidaturas, mas o TRE reformou a sentença e por 7 a 0 não considerou haver fraude. As candidatas prestaram contas, participaram de comícios, reuniões do partido. A matéria fundamental é a fraude. E isso não houve, conforme o TRE.
Seguinte: – Acreditas numa decisão monocrática do relator?
Blaszak – Sim, é regra no TSE. Acredito que o ministro Sérgio Banhos decidirá monocraticamente, mas quem perder certamente recorrerá ao Pleno.
Seguinte: – Banhos foi um dos três votos vencidos no julgamento desta terça. É indício de que votará pela absolvição?
Blaszak – Sim.
Seguinte: – Havendo ou não condenação, quais as próximas fases possíveis do processo?
Blaszak – A decisão monocrática, a votação no Pleno, embargos de declaração com efeitos modificativos e, ainda, um recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF), já que há matéria constitucional, como o direito à ampla defesa. No direito Civil e Criminal, condenações não podem alcançar quem não cooperou com irregularidades ou crimes.
Seguinte: – Quanto tempo deve durar o processo?
Blaszak – O caso de Gravataí deve ser julgado até o fim do ano. Os julgamentos relacionados esperavam pela decisão desta terça. Depois, há os recursos. Pode se arrastar até o ano que vem.
Seguinte: – Caso condenados os vereadores perdem o mandato automaticamente?
Blaszak – Geralmente o TSE, quando decide, manda cumprir. Certamente teremos recálculos feitos pelas justiças eleitorais e câmaras municipais mudando de composição no início do próximo ano.
Seguinte: – Há possibilidade de efeito suspensivo enquanto recursos são julgados?
Blaszak – Pode-se tentar, mas o TSE costuma determinar o cumprimento imediato da pena e a perda de mandato enquanto julga recursos.
Seguinte: – O chamado ‘ativismo’, já verificado em julgamentos no STF, e agora no TSE, não está tendo peso acima da norma? Isso não pode prejudicar o entendimento da Súmula 24, que garantiria aos vereadores de Gravataí a não análise de provas?
Blaszak – No cenário nacional, de modo geral, não só no direito eleitoral, o ativismo e as políticas afirmativas para minorias estão se sobrepondo ao texto da lei. É uma moeda de dois lados, já que tanta flexibilização causa insegurança jurídica.
Seguinte: – É o mesmo caso da prisão em segunda instância confirmada pelo STF?
Blaszak – É o tema que mais polemizou nos últimos tempos, mas há também a questão das relações homoafetivas, o ‘casamento gay’. A Constituição tem um texto duro, proibitivo, que continua o mesmo, mas o STF flexibilizou a interpretação. O próprio ministro Barroso, em seu voto nesta terça, disse que exercia ali uma política afirmativa. Achei a argumentação de uma fragilidade enorme. É verdade que acontece na prática, mas não se conserta as coisas assim, agindo de forma errada. Tenho capítulo escrito no livro Tratado de Direito Eleitoral, do ministro Luiz Fux, onde sustento que a política de afirmação feminina deva começar pelos partidos, com um mudança na lei que obrigue uma quantidade mínima de mulheres nos diretórios. Já o julgamento de ontem interpreto um equívoco como um todo. A lei determina o preenchimento dos 30%, não exige a fiscalização do exercício de campanha.
Seguinte: – Não há na lei eleitoral artigo que trate disso?
Blaszak – Não existe. Eu, homem, posso registrar uma candidatura, não fazer santinho, não subir em palanque, ficar em casa e fazer zero voto. O MP escolheu o momento errado para cobrar uma política afirmativa. A lei existe desde 1997. São 19 anos sem nunca terem exigido campanhas. Foram omissos. Aí, em 2016, vem uma avalanche de ações que são Control C, Control V.
Seguinte: – Sei és colorado fanático. É mais fácil o Inter ser campeão da Copa do Brasil nesta noite, ou os vereadores de Gravataí ser absolvidos pelo TSE?
Blaszak – Os vereadores ser absolvidos. Mas o Inter também será campeão (risos)!
:
Analiso.
No artigo 3 vereadores de Gravataí quase livres da cassação; O Processo, de Kafka, publicado dia 4 no Seguinte:, após ouvir o voto do ministro Og Fernandes, conclui assim:
“(…)
Ao fim, dificilmente a decisão ‘irá para os pênaltis’, no Superior Tribunal Federal. Como sempre escrevo, é sem torcida ou secação: durmam bem Bombeiro, Dilamar e Dimas. O processo já era.
Inclusive recomendaria às promotoras e à juíza de Gravataí ler O Processo, de Kafka.
O ‘escândalo’ de Gravataí é bem parecido.
Para mim, os Josef K. são Bombeiro, Dilamar e Dimas.
(…)”
Após o julgamento desta terça, recomendo Rivotril aos três.
O caso de Gravataí é diferente, já que restaram absolvidos por 7 a 0 pelo TRE, e pode inclusive estabelecer uma régua de análise nos julgamentos futuros, condenando em episódios de fraude, e absolvendo onde fraude não foi provada.
Mas o ‘ativismo’ demonstrado pelo TSE também permite desconfiar que a decisão desta terça possa ter um efeito cascata na centena de casos semelhantes, com ou sem fraude.
“Então vão cassar os votos de todo mundo, mesmo de quem não é culpado pela fraude?”, alguém pode estar se perguntando.
Não esqueçam que, numa questão talvez mais pesada do que o sagrado voto, que é a privação de liberdade, mesmo que a Constituição estabeleça, em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, há até um ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, preso por mais de um ano.
Os ‘Josef K.’ de Gravataí podem sim ser condenados à execução. Restará, como à personagem de Kafka, em ‘O Processo’, ao declarar-se inocente ou culpado, responder:
– Inocente de quê?
Siga o julgamento do TSE na íntegra a partir dos 37 minutos