RAFAEL MARTINELLI

Denúncia de racismo faz aulas pararem em Gravataí; Sem calar, mas sem odiar

Alunos protestaram na escola, ajoelhados e com punho para cima

Um suposto caso de injúria racial mobilizou o movimento negro, provocou protestos, afastou uma aluna, suspendeu aulas em escola pública de Gravataí e tem ocorrência policial registrada pela mãe de um adolescente.

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Seguinte: preserva a identificação dos envolvidos, mesmo que a própria escola tenha feito uma postagem no Facebook confirmando o caso e áudios circulem pelas redes sociais.

Reporto e analiso o caso, que soube por ativistas, porque reputo que qualquer omissão, mesmo em no caso de suspeita de racismo, representa calar a vítima.

O episódio começou na tarde de terça-feira, com relatos de que uma aluna teria acusado outra de falar na escola sobre seu “cabelo ruim” e também ter chamado um colega de “macaco”.

Conforme a diretora da escola, teria sido a aluna acusada de ser racista a primeira a procurar a direção. A adolescente teria negado as ofensas, mas admitiu ter “achado graça” ao testemunhar, há dois meses, um episódio no qual outro aluno imitou sons de macaco na sala de aula ao reagir a “brincadeiras” de colega.

– Nunca tinham nos relatado nada antes – garantiu a diretora ao Seguinte:, na tarde desta sexta-feira.

Fiz contato com um familiar que disse que a menina que denunciou as supostas ofensas contaria sua história, mas, desde a quarta, não tive retorno. Já a mãe do aluno ao qual as ofensas teriam sido direcionadas falou hoje.

– Fiquei sabendo à noite, não pela escola, mas pelo meu filho, porque ele não quis me assustar no trabalho – disse, de posse de um áudio da conversa com a direção, à qual faz críticas por supostamente ter tratado o caso “como uma brincadeira”.

– Quando fui à escola disseram que tinham afastado a menina, mas na segunda ela retornaria e ainda não sabiam quais providências tomar. Disseram que talvez a menina mudasse de escola porque foi exposta. Meu filho sofre racismo e ela foi exposta? Piada – desabafa.

Na quarta-feira, a mãe foi até a 28ª Coordenadoria Regional de Educação, onde foi redigida uma ata com seu relato dos acontecimentos, registrou ocorrência policial na 1ª DP de Gravataí e promete na segunda-feira comunicar o caso à Promotoria da Infância e Juventude.

No B.O. policial a mãe registra que o filho “tem sido vítima de racismo” na escola, foi “chamado de macaco pela colega” e “já vinha sido chamado assim em práticas de bullying entre outros colegas”. No documento consta também que diretora e orientadora “não levaram o caso a sério e não adotaram posicionamento concreto do que seria feito para coibir essa prática”.

A diretora nega omissão.

– Jamais tratamos como brincadeira. Racismo é crime. Temos um currículo antirracista – garantiu, explicando que a mãe só não foi avisada em seguida ao episódio porque a direção ainda apurava os acontecimentos e aguardava orientação dos departamentos pedagógico e jurídico da 28ª CRE.

–Estávamos ouvindo as pessoas envolvidas, nem tínhamos conversado ainda com as vítimas, quando tudo se espalhou de forma distorcida nas redes sociais. Pelo que chegou a nós naquele momento, a suposta violência não tinha acontecido naquele dia – explica a diretora, que conta ter sido atacada na internet após a divulgação de um áudio no qual pedia para uma aluna não incentivar um protesto antes da apuração dos fatos; e que foi postado a acusando de tentar calar uma das supostas vítimas.

Conforme a diretora, a menina acusada de ter feito as ofensas racistas foi afastada e a mãe da adolescente teria informado que vai tentar trocá-la de escola porque a filha tem recebido mensagens com ameaças desde a terça-feira.

Para diminuir a tensão que tomou conta da escola, a direção optou por liberar todos os alunos das aulas na tarde da quarta-feira.

– Nossa obrigação é preservar todos os alunos. Já tratávamos da questão do racismo em nosso currículo, mas tudo isso serviu para mostrar que precisamos ir ainda mais a fundo. Porém, entendo que não se combate ódio com ódio. O Brasil já está fora de controle –argumenta.

Dois protestos foram realizados na escola na quarta-feira, quando alunos, vestindo preto, ajoelharam-se e ergueram os punhos, e também usaram microfone para relatar episódios de racismo que enfrentam ou se solidarizar com os colegas. Manifestantes ainda marcaram os muros da escola com as mãos, usando tinta preta.

Jairton Camisolão, assessor de Políticas Públicas para o Negro, órgão ligado à Prefeitura de Gravataí, disse que vai buscar informações junto à 28ª CRE e acompanhar o caso.

– Repudiamos qualquer manifestação racista e vamos cobrar uma apuração das denúncias.

Ao fim, tenha acontecido o que for, neste Brasil onde, parafraseando Andy Warhol, parece que todo mundo terá seus 15 minutos de infâmia, não contem comigo para calar aqueles que se dizem vítimas do racismo.

As reações contrárias e, aposto, os comentários nas redes sociais que provavelmente serão postados neste artigo, impedem-me de acreditar que algum negro denuncie racismo sem ao menos se sentir agredido; invariavelmente a vítima é feita também vilão!

Apelo, ao menos pelo que apurei, também não vilanizem a direção da escola; que, inegável é, não mediu a proporção do episódio.

Mas não esqueçam de lembrar que o racismo é uma coisa tão abjeta que, por vezes, paralisa a vítima, mas também quem tem a obrigação de protege-la. Eu, branco, privilegiado, não me excluo do racismo estrutural e sim procuro aprender; como aposto teve sua lição a direção da escola.

Na nossa cara, tatuando que o Brasil – onde balas perdidas acham mais negros e a vida e a meritocracia dependem de sobrenome ou CEP – manteve a escravidão até o limiar do século XX, a mãe do menino tem 39 anos, seu bisavô era escravo e seu pai foi dado para ser ‘criado’ por uma família branca, para a qual ‘trabalhou’ desde criança.

Dandara, vou chama-la assim, até riu quando perguntei se já fora vítima de racismo.

– Só quem é negro sabe… Só que quando acontece com o filho da gente, dói mais.

Que doa a todos nós.

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