3º NEURÔNIO

Do que estamos falando quando falamos de aborto?

Sob protestos, CCJ da Câmara aprovou PEC que proíbe aborto legal

Compartilhamos o artigo da jornalista Milly Lacombe, publicado pelo UOL, sobre aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados da PEC que proíbe aborto legal


Aborto é palavra proibida que carrega valores estabelecidos. É contra a vida, é abjeto, é errado, é uma violência. Todo esse imaginário chega com a palavra. Eu argumentaria que se trata de um falso debate.

O que é o aborto? É a interrupção de uma gestação? O que é a gestação? É a fecundação do óvulo com o esperma, o zigoto. O zigoto contém vida?

Bem, aí o debate escapa do controle e vai para o território da especulação, dentro do qual todos opinam sem nenhuma base de dados, de fatos, de verdades comprovadas. Você pode achar que o zigoto tem vida, eu posso achar que não tem, outra pessoa pode achar que a vida começa antes até, no óvulo, no espermatozoide, no céu, na sala dos anjos da 12º dimensão, em Netuno, em Andrômeda. Tanto faz. O que importa saber é que ninguém tem como saber quando uma vida começa.

Então esse debate não existe. Ele é falso. Ele é jogado em campo para interditar o pensamento coerente e para esconder a mais verdadeira das constatações: nossa sociedade, faz tempo, já aprovou o aborto.

Podem abortar as seguintes pessoas: mulheres e seres humanos com útero que sejam de classe média e alta. O que no Brasil equivale a dizer: pessoas brancas.

Quem não pode abortar: mulheres e seres humanos com útero que sejam pobres – lembrando que, no Brasil, a pobreza tem cor.

Podem abortar mulheres e amantes de políticos. Está estabelecido. Todo mundo sabe quem faz o aborto, onde ele é realizado, quanto custa. As clínicas são bem equipadas, luxuosas e a mulher entra e sai no mesmo dia sem correr nenhum risco de vida.

Essas mesmas pessoas que são a favor do aborto de suas amantes depois aparecem na mídia dizendo que são “a favor da vida” e vão votar para que se puna o aborto mesmo em caso de estupro e mesmo em casos de gravidez infantil. Vejam: esse é um desvio absoluto em uma agenda que deveria ser apenas a de: aborto legal e gratuito para todas as mulheres e pessoas com útero.

Esses são também os mesmos que defendem “a família”, mas acham um absurdo a luta por creches públicas, gratuitas e de qualidade. Por transporte público, gratuito e de qualidade. Por ensino público, gratuito e de qualidade. Por licença maternidade remunerada, por licença paternidade remunerada. Também não ligam para o feminicídio que tira de tantas crianças o direito a ter uma mãe. São os mesmos que dão os ombros para pais que não pagam pensão alimentícia, que não registram os filhos, que fogem, que desaparecem, que batem em suas mulheres, que abusam de suas mulheres, que têm amantes etc. De que família eles falam quando falam em defesa da família?

Então, quando falamos de aborto estamos falando de hipocrisia, de mentiras, de falsas narrativas, de covardia.

Sim, há uma vida em jogo, que é a vida da mulher. Da mulher que é desamparada pelo estado e pelo patriarcado, obrigada a gestar, obrigada a parir, culpada por gozar, culpada por gostar de transar e condenada a trabalhar sem descanso para sustentar uma criança que vai ter mínimas chances de crescer forte e saudável e que ela preferiria não ter colocado nesse mundo injusto, cruel, violento, hipócrita e vulgar.

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