Quando Camilo posicionou-se para cobrar a falta, o cronômetro já marcava 50 minutos do segundo tempo. O Estádio Beira-Rio calou-se. Aquela era a última oportunidade para ver, ou melhor, aos que estavam no estádio, viver, depois de muito tempo, o Internacional na liderança do Brasileirão. E não é que o cara cobrou, a bola bateu na trave e entrou. Lá, em uma das cadeiras da superior, o Nando Rocha não se conteve. Abraçou apertado a filha e as lágrimas escorreram.
Era muito mais do que a emoção de ver o seu colorado — e o da Lauren — nas cabeças. Era o sentimento de quem se despede, mesmo que seja para um “até logo”, de um dos seus amores. Quem é de Gravataí, ou só frequenta o twitter e o facebook, certamente sabe quem é o Nando Rocha, de 34 anos. É o guri que, aos 15 anos, empacotava compras em um mercado de Gravataí. É o filho do Sérgio Rocha, que desde muito cedo acompanhava o pai e botava na rua a Revista Bola em Jogo. Como o texto já diz, é o pai da Lauren e suas encantadoras histórias desde os primeiros dias de paternidade nas redes sociais. É o assessor parlamentar de um vereador, mas saudado por todos, na Câmara de Vereadores de Gravataí. E é o gravataiense colorado, mais recentemente, cronista do Gigante sobre Linhas.
— Imagina se o Inter resolve ser campeão brasileiro, um campeonato que eu sempre tive tanto carinho e sonhei ver o meu time vencer, e eu longe daqui? Será que eu é que sou o pé-frio? — brinca, com a indisfarçável ironia do Nando Rocha das redes sociais, agora com um motivo bem concreto.
É que ali, chorando a vitória com a filha, estava o Fernando Jesus da Rocha, sexto entre 20 aprovados para dois anos de mestrado em comunicação na Universidade da Beira Interior, em Covilhã, região central de Portugal, ou, como dizem os portugueses, no além-mar. Nos próximos dias, ele embarca com a filha e a esposa para dar início ao curso, em 17 de setembro.
: Aprovado em junho, Nando Rocha recebeu o visto nesta semana | ARQUIVO PESSOAL
Acompanhar o Inter à distância nunca foi tarefa fácil para ele. Semanas atrás, enquanto o colorado já aplicava 3 a 0 no Fluminense em pleno Maracanã, o Nando, a 1,5 mil quilômetros de distância soltou esta no twitter: “32 minutos do segundo tempo. Inter ganhando de 3 x 0. E eu nervoso, roendo as unhas, com medo do Fluminense fazer um gol e complicar”. Imagina, então, a angústia de quem terá de curtir agora os jogos do Beira-Rio a mais de 9 mil quilômetros?
— Acompanhar à distância vai ser difícil, porque o Beira-Rio faz parte da minha vida, me criei lá dentro. Agora, vou estar quatro horas adiantado em Portugal. Estou pensando em como vai ser o esquema para acompanhar os jogos. Sei que tem muitos brasileiros por lá, tenho um amigo, que me ajudou muito nessa mudança, colorado. Devem ter outros. O certo é que eu não vou conseguir dormir sem saber como foi o Inter — diz.
Menor que a Morada do Vale
Não é só ele quem vai sentir a distância. A Lau, desde bem cedo, acompanha o pai. Outro dia, colando figurinhas da Copa do Mundo, ela perguntou ao Nando:
— Lá tem jogo?
— Sim, filha.
— E tem Beira-Rio?
Bom, o Beira-Rio não vai ter. Mas em Covilhã, o Nando e a família vão encontrar uma cidadezinha pacata, com pouco mais de 50 mil habitantes — população menor que a da Morada do Vale — e, no futebol, tem o Sporting Covilhã, da Segunda Liga portuguesa. O pai já fez questão de se informar onde acontecem os jogos, para que a Lauren não perca o hábito e a cultura do futebol de estádio.
Provavelmente a Lauren, em Portugal, vai conhecer um pouco mais do futebol que o Nando aprendeu a conhecer com o pai, nos campos acanhados do futebol amador de Gravataí. Pois o Sporting local manda seus jogos no Municipal José Santos Pinto, com capacidade para 3,5 mil pessoas. É menor que o Vieirão.
Da ideia à aprovação
A oportunidade de fazer o mestrado na UBI surgiu depois de muito tempo de procura por cursos na Região Metropolitana. Pós-graduado há dois anos, ele queria dar sequência à formação. A alternativa foi dica do amigo Fábio Giacomelli, que já mora em Portugal. Foi um achado, mas ele resistiu.
— Quem me conhece sabe o quanto eu sou apegado à família e ao meu lugar. E também tem a minha filha, que é muito ligada aos avós. Quando surgiu a ideia, para não dizer que não faria, e talvez me arrepender, contei para a minha esposa. Eu achava que o não viria dela, aí eu não ficaria com peso na consciência — lembra.
Que nada. Passaram alguns dias, e a Lisy convenceu o marido de que seria uma grande oportunidade. A partir de março, Nando começou a correria para reunir documentos, artigos e tudo o que era exigido na seleção para o mestrado. No final de junho, a surpresa: foi selecionado.
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Desde então, o tempo correu para que, além da documentação dele, da esposa e da filha, porque sozinho ele não iria “de jeito nenhum”, o Nando de Gravataí organizasse como será a vida da pequena Lau, hoje com quatro anos, em terras portuguesas.
— Conseguimos uma esolinha pública para ela, já me informei sobre parques, praças e o futebol. Quero que a rotina dela mude o menos possível. Ensinei a ela como fazer as chamadas por vídeo para o avô. Mas acho que ela vai se adaptar muito mais rápido do que nós — comenta.
Serão dois anos de curso, e o Nando não é do tipo que está de saída do Brasil por desgosto. Por enquanto, não tem planos de ficar por lá, mas…
— Pode acontecer de ficar por lá, mas a minha ideia inicial é voltar. Claro, daqui a pouco chego lá e vejo outra realidade. Muitos brasileiros têm optado por Portugal como uma alternativa. Sei que em Covilhã não se usam nem cadeados nas bicicletas na rua. É algo surreal para nós no Brasil. Tenho muita fé e sempre penso que as coisas aparecem no meu caminho com um propósito. Quem sabe?
O Brasil visto de fora
À distância, este Personagem de Gravataí certamente não se desligará, ao menos virtualmente, da terrinha. De lá, poderemos continuar acompanhando o crescimento da Lau nos relatos do pai. Teremos um cronista colorado à distância e que, em tempos de ódio nas redes sociais, certamente vai virar vidraça.
— Quando criamos o Gigante sobre Linhas eu já senti isso. A cada opinião que se dá, vem outros para opinar sobre a tua opinião. Já estou me preparando para, em alguma crítica que eu faça do Inter, alguém dizer que eu estou falando só porque estou longe — diz o Nando.
Politicamente, ele tem também uma oportunidade de olhar a atual crise brasileira do lado de fora.
— Há uma intolerância muito grande hoje. A pessoa tem que ser uma coisa ou outra, sem tolerar o diferente. Eu sempre tento respeitar o que cada um pensa, e evito usar a rede social para fazer grandes análises políticas. Acho que estando fora, eu talvez também tenha uma visão de fora da bolha que os algorítimos te criam nas redes sociais. Olha de fora pode ser importante para entender o Brasil — comenta.
: Semana passada, Nando despediu-se dos colegas de Câmara com homenagem | ARQUIVO PESSOAL
Na semana passada, o Nando, que atuava na assessoria do vereador Dilamar Soares (PSD), recebeu uma homenagem de despedida.
— Fiquei muito orgulhoso, porque não é comum trabalhar para um político e ter esse reconhecimento de todos.
No momento da despedida, ele ainda aguardava a resposta ao visto, que chegou nesta segunda (20). Agora, é só embarcar.
Boa viagem, Nando.