É precipitado e politicamente hipócrita o vereador Mano do Parque (PL) ao dizer na tribuna, nesta terça-feira, que o prefeito Cristian Wasem (MDB) “roubou R$ 4 milhões”, em referência às investigações sobre compras de telas interativas, que por três anos transpassam Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Estadual, Polícia Civil e Polícia Federal.
Precipitado, porque não há parecer final do TCE determinando ressarcimento, indiciamento em inquéritos policiais, denúncia do MP ou ação penal no Judiciário. Para leigos: Cristian não resta réu em coisa alguma, como, por exemplo, Jair Bolsonaro (PL), quanto mais condenado.
E é politicamente hipócrita porque, em sua vendeta política, possivelmente motivada por seu partido não ter ganho os cargos que esperava após ter negociado a desistência em apresentar candidatura para apoiar a reeleição em 2024, o parlamentar esquece que as supostas irregularidades são públicas desde antes da campanha eleitoral.
O jornalista Roque Lopes, de O Repórter, detalhou o caso nesta quarta-feira, em Cristian é acusado de prejuízo de R$ 3,8 milhões e pode ter bens bloqueados. Faço um resumo.
Um relatório do Tribunal de Contas do Estado aponta um possível prejuízo de R$ 3,8 milhões aos cofres públicos de Cachoeirinha, em um contrato de R$ 10,2 milhões para a compra de 321 telas interativas destinadas a escolas municipais. Os auditores identificam como responsáveis o prefeito Cristian, o ex-secretário municipal de Educação Cláudio Pinheiro e a empresa Smart Tecnologia em Comunicações.
A aquisição, realizada em 2022 por adesão a uma ata de registro de preços do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Vale do Rio Taquari (Consisa), permitiu que a Prefeitura aproveitasse uma licitação feita por outro ente público. No entanto, o TCE identificou que não houve estudo técnico que justificasse a adesão, nem vantagem financeira para o município.
Segundo os auditores, o preço unitário pago pelas telas (R$ 31,8 mil) superou em R$ 12 mil o valor de mercado, com base em comparações com licitações anteriores da própria Smart Tecnologia. Além disso, a Prefeitura adquiriu 321 unidades, o dobro do permitido pela legislação para adesões a atas de preço.
O relatório também acusa o prefeito de ignorar alertas de 2022 da Superintendência de Compras sobre o superfaturamento, além de basear a decisão em um parecer de advogado externo, em vez da Procuradoria-Geral do Município.
O contrato chegou a ser suspenso pelo TCE em 2022, mas foi liberado em janeiro de 2023 pelo conselheiro Renato Azevedo, permitindo a continuidade das compras.
A devolução dos milhões e bloqueio de bens
Os auditores recomendam ao relator do caso no TCE, conselheiro Alexandre Postal, que condene o prefeito, o ex-secretário de Educação e a Smart Tecnologia a devolver, solidariamente, os R$ 3,8 milhões aos cofres públicos, além do bloqueio de bens para garantir o ressarcimento.
O processo foi encaminhado ao MPE e à Polícia Civil. Paralelamente, a PF investiga o caso na Operação Rêmora, deflagrada em março de 2024, que cumpriu mandados na Prefeitura, na residência de Cristian, na Smart e em outros municípios.
O nome da operação faz alusão ao peixe que se agarra a tubarões para “pegar carona” – uma metáfora para as adesões a atas do Consisa sem novas licitações. A PF começou a investigar em novembro de 2023, após alertas do TCE e reportagens que também insinuavam um esquema político.
A Smart forneceu telas para outros municípios administrados pelo MDB, partido do prefeito de Cachoeirinha e do proprietário da Smart Ricardo Giovanella Neto, que além da empresa também teve a residência alvo de buscas pela PF. O empresário, que é ex-presidente do MDB de Lajeado, nega qualquer conluio partidário.
Defesas negam superfaturamento
A defesa do prefeito afirmou que as telas adquiridas são “interativas e de qualidade superior”, diferindo das “lousas de projeção” mais baratas usadas como comparação pela auditoria. Alegou ainda que o TCE não utilizou o sistema LicitaCon, plataforma oficial para consulta de preços no serviço público, o que “inviabilizaria uma análise adequada”.
A Smart Tecnologia, por sua vez, argumentou que as diferenças de configuração dos equipamentos e a incidência de impostos justificam variações de preço. A defesa nega irregularidades e atribui o caso a “suposições sem base técnica”.
Concluo.
É uma investigação complexa, que por três anos devassa não só compras feitas por Cachoeirinha, mas também por municípios vizinhos como Porto Alegre, Canoas e Gravataí.
O vereador Mano do Parque acusar o prefeito Cristian de “roubar” é precipitado e um exagero, ao por menos enquanto. E requentar um caso notório desde 2023, em momento de crise entre seu partido e o governo, é politicamente hipócrita.
Mano também disse que Cristian representa a “continuidade” do governo Miki Breier.
– É o Miki 2.0. Continuam roubando o município – acusou.
É um bom exemplo para minha crítica a sanhas condenatórias.
Para quem não sabe, o ex-prefeito, quase quatro anos após o afastamento do cargo sob suspeita de corrupção em contratos de limpeza urbana, ainda não é réu em ação penal. Não há nem denúncia do MP. A cassação se deu por questões eleitorais, não por roubo.
Resta Miki como Josef K, de O Processo, de Kafka, que perguntando pelo carrasco ao caminho da execução se era culpado ou inocente, respondeu: “inocente de quê?”.